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Filme “Annabelle”: uma fidedigna representação da possessão demoníaca

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David Ives - publicado em 05/10/14
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Andamento da trama se mostra satisfatoriamente fiel à doutrina católica
Os criadores do filme "Annabelle" conseguiram pelo menos responder a uma pergunta incômoda, levantada pela divulgação das primeiras cenas do filme: por que é que alguém, em sã consciência, iria comprar uma boneca tão assustadora?
 
A resposta é simples: Annabelle é uma boneca muito valiosa. Descobrimos isso quando o jovem John Form (Ward Horton) leva a boneca-título do filme como presente-surpresa para a esposa grávida, Mia (Annabelle Wallis). A atriz faz um trabalho excelente ao se mostrar extremamente animada na hora de abrir o pacote e encontrar dentro dele o rosto pavoroso de Annabelle. A ideia de alguém ficar num êxtase desses depois de receber algo tão obviamente satânico desafia a nossa credulidade, mas Wallis se sai realmente bem.
 
O motivo para essa bizarra demonstração de alegria por parte de Mia é rapidamente explicado: a futura mamãe coloca Annabelle numa prateleira com outras duas ou três bonecas igualmente medonhas. Annabelle, ao que parece, faz parte de um conjunto muito disputado de peças de colecionador. É uma coisa bizarra, certamente, mas também é algo crível e relativamente comum: trata-se apenas, no fim das contas, de um caro brinquedo de porcelana a ser colocado orgulhosamente em exposição.
 
*Atenção: spoiler* Tudo muda, porém, quando os membros de um culto satânico invadem a casa dos Form e tentam sacrificar o casal. A polícia chega a tempo de impedir a violência brutal, mas não antes de uma das mulheres da seita cometer suicídio com a boneca no colo, como se fosse um bebê de verdade. A partir desse momento, o valioso presente de Mia passa a ter um significado bem diferente.
 
Quem já viu "The Conjuring" [“Invocação do Mal”, no Brasil, ou “A Evocação”, em Portugal] sabe que Annabelle representa um mau sinal. Como é explicado naquele filme, a boneca chamou a atenção de demonologistas da vida real: Ed e Lorraine Warren. É que o brinquedo, ou, para ser mais preciso, o espírito maligno vinculado ao brinquedo, aterrorizou duas jovens enfermeiras no início da década de 1970. Depois de investigar os relatos daquelas mulheres, os Warrens chamaram um padre para fazer um exorcismo na boneca e, depois, a trancaram numa caixa de vidro, onde ela continua até hoje. Todos os participantes dos eventos que cercam Annabelle afirmam que se trata de uma história verdadeira.

O filme "Annabelle" não faz esta asserção. Ele propõe, em vez disso, uma história completamente ficcional sobre como a terrível boneca poderia ter se tornado um canal para o demônio antes de cair em posse das enfermeiras. Em outras palavras, "Annabelle" é apenas mais um filme de terror fictício. Mas é extremamente bem-sucedido.
 
E isto é uma boa notícia para John R. Leonetti, que não tinha conquistado grandes aclamações da crítica pelo seu trabalho de direção em filmes como "Mortal Kombat: Annihilation" [“Combate Mortal 2” ou “Mortal Kombat: A Aniquilação”] e "The Butterfly Effect 2" [“Efeito Borboleta 2”]. Depois de passar a última meia década como diretor de fotografia de James Wan em filmes como "The Conjuring" e da franquia "Insidious" [“Sobrenatural”], parece que ele aprendeu alguns truques e que pode ter nas mãos, agora, o seu primeiro grande sucesso.
 
Ah, claro: há os inevitáveis ​​sustos e golpes musicais em "Annabelle". Mas, tal como Wan em seus filmes, Leonetti se baseia menos em sangue e mais em clima de medo, em figuras semivislumbradas no escuro para causar calafrios nos espectadores. A câmera chega a focar nos olhos assustadores de Annabelle. As pessoas sentem algo de suspeito. Surgem sons de cantos em penumbra. São técnicas conhecidas para quem já viu outros filmes de Wan, mas ainda são eficazes.

 
O roteiro de Gary Dauberman, por outro lado, é, por assim dizer, o elo fraco do filme. Só Wallis e Alfre Woodard, como o soturno proprietário da livraria, têm algo de substantivo em seus papéis. Mais flagrantes são as tramas que oscilam e os personagens que desaparecem, desarrumando o filme. De qualquer modo, este é o primeiro trabalho de Dauberman nas telonas depois de escrever filmes como "Swamp Devil" e "Bloodmonkey" para o canal SyFy: é compreensível que ele ainda tenha aspectos a trabalhar. Felizmente, este é um filme de terror, o que faz com que a sua falta geral de lógica não seja necessariamente comprometedora.

Mais chamativo, diria eu, é o fato de que o script reflete bem, em pelo menos cerca de 90% do tempo, os elementos católicos que são abordados. Sendo frequentadores regulares da missa, John e Mia vão imediatamente atrás do seu pároco, o pe. Perez, para pedir ajuda quando as coisas começam a ficar fora de controle com Annabelle. E ele os ajuda, não só contra o demônio, mas também orientando-os a manter o casamento firme no meio daquele calvário. Em outras palavras: os católicos em "Annabelle" agem como católicos de verdade.
 
É ainda mais impressionante o fato de que até os últimos dez minutos do filme, mais ou mais, a trama consegue se manter bastante fiel aos ensinamentos da Igreja sobre os demônios. Annabelle mesma, por mais demoníaca que pareça, é apenas uma coisa. A boneca em si não é o problema. O problema é o espírito que se utiliza dela.
 
A Enciclopédia Católica, de 1912 observa que, "de acordo com a crença católica, os demônios ou anjos caídos conservam o seu poder natural, como seres inteligentes, de agir sobre o universo material, usando objetos materiais e dirigindo forças materiais para os seus próprios fins perversos… Assim, lugares, coisas e pessoas são naturalmente suscetíveis de infestação diabólica, dentro dos limites permitidos por Deus".
 
No filme, o padre Perez destaca esse aspecto. Como cristãos, nós não estamos em guerra contra coisas. Com a nossa própria natureza caída, nós estamos em batalha espiritual com as forças inteligentes do mal alinhadas contra nós. A nossa principal arma de defesa é a oração, da qual o exorcismo é apenas uma forma altamente ritualística. Embora as coisas fiquem um pouco mais questionáveis teologicamente no final do filme, é bom ver uma produção de Hollywood se mostrando tão correta em termos gerais.
 
Isso é bom, pelo menos, para mim. Provavelmente, o filme não vai receber uma recepção tão calorosa por parte de críticos como os que acusaram “The Conjuring”, por exemplo, de focar demais na vida do casal, no batismo cristão e em elementos corriqueiros da Igreja católica como sendo essenciais para se resistir ao mal. Esses críticos vão encontrar muito desse mesmo material em "Annabelle".

Não quero dizer que o filme seja perfeito (longe disso). Mas ele é bem centrado. E dá arrepios suficientes para valer a pena como entretenimento.

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