Jornalista especialista em Oriente Médio descreve o islã contemporâneo como uma religião em crise profunda – uma crise que desafia a sua própria existênciaAnnie Laurent é escritora, jornalista e especialista em Oriente Médio. Mestre em Direito Internacional e doutora em Ciências Políticas com a tese “O Líbano e sua vizinhança”, ela é co-autora do livro “L’islam peut-il rendre l’homme heureux ?” [“O islã pode fazer o homem feliz?”]. O papa Bento XVI a nomeou perita no Sínodo Especial dos Bispos para o Oriente Médio, realizado em Roma em outubro de 2010. Annie criou um site dedicado à relação entre o cristianismo e o islã: a Association Clarifier.
Aleteia: O islã está sendo associado atualmente a uma série de eventos desastrosos: terrorismo, êxodo dos cristãos do Oriente Médio, conflitos internos e externos… Como você analisa isso?
Annie Laurent: O islã está experimentando hoje um questionamento profundo. Os muçulmanos têm acesso à internet em todos os lugares, inclusive na Arábia Saudita; eles veem outras maneiras de pensar, outras formas de compreender a religião. Uma parte deles vive em países de raízes cristãs, o que leva naturalmente a perguntas sobre as suas próprias raízes. Alguns estão particularmente incomodados com a pretensão do islã de governar a vida deles com regras arbitrárias. Todos os anos, no Marrocos, há jovens que comem nas praças em pleno ramadã, desafiando a proibição religiosa. No geral, eles são presos pela polícia.
Aleteia: É possível imaginar uma espécie de “Vaticano II” do islã?
Annie Laurent: Várias coisas se opõem a isso. Primeiro, o islã não tem uma estrutura de autoridade que abranja todos os muçulmanos. Desde o fim do Califado em 1924, não há mais um comandante dos fieis. E mais fundamentalmente ainda, a própria natureza do alcorão dificulta a sua evolução. Ele é considerado um texto que vem de Deus mesmo. Deus afirmaria que Ele mesmo deu aos fiéis um alcorão em árabe, que é a cópia de um livro mantido junto com Ele. Ninguém tem permissão para tocá-lo. Acontece que esse texto imutável contém mandamentos incompatíveis com a paz e a liberdade.
Aleteia: Mas alguns intelectuais muçulmanos se atrevem a questionar a sua fé…
Annie Laurent: Há um interessante lado chamado de “novos pensadores do islã”, com Abdelmajid Charfi, autor de “L’islam entre message et Histoire” [“O islã entre mensagem e História”]. Outro autor da Tunísia, Mohammed Charfi, escreveu “Islam et liberté” [“O islã e a liberdade”]. Mas eles são mal recebidos. Ao contrário do que se poderia imaginar, eles têm ainda mais dificuldade para se expressar depois da Primavera Árabe. O destino desses intelectuais, como Nasr Abu Zeid, que foi banido como apóstata e teve de fugir para a Holanda, não me deixa otimista com a possibilidade de uma transição “suave” do islã.
Aleteia: Então você acha que estamos mesmo caminhando para tempos difíceis…
Annie Laurent: Os muçulmanos são os primeiros que vão viver dissensões terríveis e grandes sofrimentos. Todos os ingredientes da violência estão lá. Há um texto que legitima enfrentar os infiéis e que não admite controvérsias, além de um contexto geopolítico no mínimo complicado.