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A fina arte da religião

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Caryn Rivadeneira - publicado em 07/07/16
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O declínio na alfabetização religiosa gera algumas consequências surpreendentes, não apenas espirituais, mas também no âmbito cultural 

Durante anos, os estudiosos das religiões têm lamentado o declínio da alfabetização bíblica na sociedade. Um estudo mostrou que um em cada quatro cristãos não tinha lido a Bíblia em um ano. E uma em cada cinco pessoas que frequentam cursos de igreja disseram que não leem a Bíblia.

Claro que, para o clero e os biblistas, a preocupação está ligada à ideia de que o analfabetismo bíblico poderia levar a um declínio moral e espiritual. Mas há outra perda – a perda que afeta a população em geral, você lendo a bíblia ou não, professando ser cristão ou não. Como David Neff, antigo editor-chefe da Christianity Today, diz, “o analfabetismo bíblico é uma forma de analfabetismo cultural”.

De fato. A Bíblia está tão entrelaçada com história e a arte que parece inevitável que uma forma de analfabetismo possa levar à outra. “Claro, isso atrapalha alunos do ensino médio e universitários que precisam estudar literatura e arte”, diz Neff. “Sem contexto bíblico, eles terão dificuldades em discernir até mesmo o significado de títulos de livros e o seu conteúdo. Como no ano passado, que muitos estudantes tiveram de ler, de Harper Lee, Go Set a Watchman  (título vindo de Isaías 21), além de uma lista que incluía títulos como, de Gay Talese – Honor Thy Father (Exôdo), de Ernest Hemingway – The Sun Also Rises (Eclesiastes) e, de Robert Heinlein – Stranger in a Strange Land (Jó)”.

Porém, entender títulos é apenas o começo. Neff afirma que muitos se perdem lendo uma história se não compreendem que certos temas, referências e conflitos são originários de escrituras religiosas.

Marilynne Robinson, ganhadora do Prêmio Pulitzer, escreveu no New York Times: “Várias grandes obras da literatura ocidental retratam muito diretamente perguntas que surgem do cristianismo”. Robinson assinala as questões do bem e do mal, da misericórdia, da justiça, da dúvida.

Em referência aos escritos de Faulkner, Dante, Milton, Dostoievski e Melville, Robinson escreve: “Cada uma dessas obras reflete um profundo conhecimento da Bíblia e da Tradição por parte do escritor, o tipo de conhecimento encontrado apenas entre aqueles que a levam a sério o suficiente para sondar as questões mais profundas”.

Sem pelo menos um conhecimento básico de religião, há uma incapacidade de lidar com as questões profundas da Escritura levantadas por estes textos.

“Nós entramos numa área de perda ainda mais significativa, que tem muito mais efeito do que a incapacidade de reconhecer textos bíblicos e alusões”, diz Prior. “É a incapacidade de distinguir entre o ato de ler palavras literais e o ato de interpretar essas palavras, ou sua aplicação. Por exemplo, eu encontrei recentemente alguns cristãos que insistem em usar o que eles chamam de ‘linguagem bíblica’ sobre temas que a bíblia nunca aborda diretamente. A aplicação bíblica pode certamente ser feita para todas as áreas da vida, mas quando deixamos de distinguir entre o que a Bíblia diz e o que estamos fazendo com o que interpretamos, então diminuímos um aspecto essencial da imagem de Deus em nós”.

E, claro, quando os bailarinos dançam, os pintores pintam, os escultores esculpem, os escritores escrevem, os atores atuam e os cantores cantam, eles refletem a imagem de um Deus criador, quer reconhecendo-o ou não. Mas, frequentemente, todos eles levam a perguntas que as Escrituras igualmente levantam.

Escreve Robinson: “a Bíblia só pode dar expressão a uma verdade que a maioria de nós sabe intuitivamente. Mas, como uma herança literária ou memória, ela tem reforçado o impulso mais profundo da nossa literatura e nossa civilização”.

Assim, como as pessoas interessadas não apenas na fé, mas nas artes, na cultura, nas bonitas, complicadas e reconfortantes palavras da Escritura, precisamos ler, estudar, apreciar, memorizar, ponderar. Como aconteceu com os grandes artistas. Quando nós deixamos de ler – as palavras dos poetas nos Salmos e nos profetas, nas grandes histórias de Gênesis e Êxodo, e os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos – não só perdemos Deus, mas perdemos tanto o significado como a profundidade do que o seu povo criou.

Embora a lista de obras de arte com referências bíblicas seja extensa, a seguir estão alguns exemplos:

Hamilton

Do show popular da Broadway, Hamilton, Alissa Wilkinson escreve: “Esta exibição de conhecimento bíblico é boa para o show: enriquece tanto o sentido da história – os Fundadores, independentemente das suas crenças individuais, ficaram familiarizados com a Bíblia – como em vários casos constrói temas e personagens de forma a torná-los ainda mais complexos e fascinantes”. Em um artigo para Christianity TodayWilkinson faz referência a 18 passagens cristãs ou bíblicas específicas.

“Harlem”

Karen Swallow Prior diz que de todas as alusões bíblicas na literatura, a de Langston Hughes, “Harlem”, é “provavelmente” a sua favorita. “Tem a linha de ‘um sonho adiado’ [ver Provérbios 13,12] e se expande em toda essa ideia de maneira poderosa”.

O retorno do filho pródigo

Embora a parábola do filho pródigo seja um dos ensinamentos de Jesus mais conhecidos, apreciar a obra prima de Rembrandt, The Return of the Prodigal Son – O Retorno do Filho Pródigo, na íntegra (as diferentes mãos! os olhos! o irmão em segundo plano) exige intimidade com a parábola e a pintura.

Absalão, Absalão

David Neff citou vários títulos com referências bíblicas e Absalão, Absalão!, de William Faulkner, não é exceção. Sem uma compreensão da angústia do rei Davi sobre seu rebelde (e assassinado) filho, perdemos muito desta obra-prima.

Figuras de Cristo

Sem o conhecimento de Jesus e da Bíblia facilmente perdemos – e não compreendemos – as “figuras de Cristo” na literatura e no cinema. Leia os Evangelhos e depois veja, digamos, O Rei Leão ou As Crônicas de Nárnia.

Deus está em toda parte na arte. Sem conhecer as Escrituras estamos perdendo uma compreensão mais profunda não apenas da nossa fé, mas da nossa cultura.

 

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