O novo filme de Martin Scorsese me ensinou algumas coisas sobre a natureza da fé, e até mesmo sobre a minha própria féA reação sobre o novo filme de Martin Scorsese, Silence (Silêncio), que narra dois padres trabalhando no brutalmente repressivo século 17 no Japão, é muito diferente em todo o mundo. Algumas pessoas o acharam lento e seco, outros deprimente e desnecessariamente desanimador, e outros acharam que era uma declaração de fé.
Eu achei… difícil. Mesmo agora, uma semana depois de eu ter assistido pela primeira vez ao filme, ainda estou pensando nele, ainda peneirando.
O que significa Silêncio, tecnicamente, deve ser muito bom. Eu não gasto muito tempo pensando sobre os filmes ruins a que eu assisto. Eles saem do meu cérebro praticamente no momento que eu escrevo sobre eles. Mas bons filmes são diferentes. Eles ficam em sua mente, exigindo atenção e pensamento.
Silêncio é esse tipo de filme para mim. Ele ensinou ou reforçou algumas coisas sobre a natureza da fé e, à sua maneira, expôs a minha própria fé. Não posso dizer que gostei: alguns filmes, francamente, não são para ser apreciados. Mas estou feliz por ter assistido, e aqui estão três razões:
- O poder inspirador da fé
Em Silêncio, os padres jesuítas Sebastião Rodrigues e Francisco Garrpe viajam para o Japão em busca de seu mentor (Padre Ferreira) e para ministrar aos cristãos de lá, adorando sob fulminante perseguição. Eles já sabem que o Japão não é um lugar seguro e confortável para seguir Jesus, mas o que eles veem quando chegam irá surpreendê-los.
Seu guia, Kichijiro, leva-os primeiro a uma aldeia que parece quase totalmente povoada por cristãos, e os sacerdotes são saudados quase como se fossem o próprio Deus, tão grande é a sua fome de sacramento e ensino. Uma cristã oferece alimento a Rodrigues.
“Você não come?”, ele pergunta a ela.
“É você quem nos alimenta”, diz ela.
É um belo momento entre muitos, ver esses cristãos horrorosamente perseguidos tão desesperados pelo pão da vida. E eu sinto, de certa forma, estranhamente invejoso por esse nível de paixão.
A fé é muito fácil para nós hoje em dia. Poucos de nós são convidados a morrer pela fé.
- Como traduzimos nossas questões de fé
Rodrigues é capturado e jogado na prisão, onde o inquisidor chefe do país, Inoue Masashige, empurra o padre para renunciar sua crença. O trunfo de Inoue: o próprio Ferreira, o amado professor de Rodrigues, que aparentemente renunciou sua fé anos antes. Ele chega a Rodrigues e diz a ele que esses chamados cristãos japoneses não estão realmente seguindo Jesus. Ferreira diz que a mente japonesa não é capaz de ver além do mundo natural, e que o Filho de Deus para eles é, literalmente, o sol: em vez de levantar-se após três dias, seu deus se levanta todas as manhãs.
Não tenho certeza se Ferreira está sendo justo com os cristãos japoneses adorando e morrendo por sua nova fé. É, talvez, uma desculpa que ele faz, para si mesmo ou para aqueles que o observam, por sua própria renúncia. Mas Shusaku Endo, que escreveu o livro Silêncio em que Scorsese baseou seu filme, lutou poderosamente neste choque de culturas.
Em Silêncio, o Japão é repetidamente chamado de “pântano” em que nada pode crescer, certamente não o cristianismo. Ferreira e Inoue dizem que sim. E, no entanto, quando Rodrigues diz que o Japão era terreno fértil para o cristianismo antes de Inoue “envenenar” o solo, isso soa verdadeiro também. (E deve ser notado que “os cristãos ocultos” permaneceram no Japão por séculos.)
Silêncio é apropriadamente silencioso sobre esse ponto: tanto o livro quanto o filme são muito mais eficazes em levantar perguntas do que oferecer respostas. Mas, como católico japonês, Endo sentiu poderosamente o choque de sua cultura oriental e o catolicismo ocidental. “Eu recebi o batismo quando eu era criança”, disse uma vez a revista Kumo. “Em outras palavras, meu catolicismo era uma espécie de terno pronto… Eu tive que decidir se fazia este terno pronto caber em meu corpo ou se livrava dele e encontrava outro terno que coubesse”.
Esse é o truque central para trazer a nossa verdadeira fé a culturas muito diferentes, não é? Para que esse terno espiritual “encaixe” sem transformá-lo em algo completamente diferente? Somos confrontados com o mesmo desafio em nosso próprio país e era, onde somos convidados a transmitir a eterna relevância e necessidade de Deus nesta sociedade cada vez mais secular e de alta tecnologia. A verdade permanece a mesma, mas a forma como transmitimos essa mensagem pode mudar.
“A fé católica nunca muda”, diz o cardeal nigeriano Francis Arinze. “Mas a linguagem e o modo de manifestar essa fé podem mudar de acordo com os povos, tempos e lugares”. É uma linha difícil de andar, com a heresia escondida de um lado e a irrelevância do outro. Mas o cristianismo prosperou por 2.000 anos porque, em parte, conseguiu encontrar o equilíbrio.
A questão assombrosa: O que eu faria?
Ao final do filme, Inoue dá a Rodrigues uma escolha impossível: publicamente renunciar e salvar as vidas de vários cristãos que Inoue está torturando ou se manter fiel à fé e vê-los todos lentamente, dolorosamente morrer.
Quando os filmes normalmente oferecem esses tipos de escolhas sacrificais, sabemos a resposta “certa”. Heróis sacrificam tudo pelos outros, certo? Isso é o que os torna heróis. Mas aqui, o movimento certo não é tão óbvio. Devemos sacrificar nossa fé – potencialmente nossas próprias almas – por causa desses crentes sofredores?
Silêncio nos dá um desafio, uma mensagem preocupante – uma mensagem que eu não sei como me sinto sobre ela até agora. Nossa fé está cheia de mártires que publicamente se mantiveram fiel à sua fé durante circunstâncias incrivelmente difíceis. Mas, em tais circunstâncias, o que eu faria no lugar de Rodrigues, posicionado acima da imagem de nosso Salvador?
Enquanto eu observava esses cristãos japoneses sofrer tortura e morte, eu me perguntava se eu poderia ser tão forte. Enquanto eu observava Rodrigues lutar com o caminho certo, mesmo que Deus, durante a maior parte do filme, permaneça em silêncio, perguntei-me se minha própria luta seria tão honrosa ou se poderia cair em covardia muito mundana.
Temo, de certa forma, que eu possa ser como o guia Kichijiro, um homem rasteiro, muitas vezes egoísta, que nega Cristo sempre que o caminho se torna difícil. Ele pisa na imagem, cospe na cruz e, em uma conjuntura crítica, trai um padre por 300 moedas de prata. E, no entanto, uma e outra vez, Kichijiro volta a confessar seus pecados, jogando-se à mercê de Deus e do próprio sacerdote que ele traiu. Ele se pergunta por que não poderia ter nascido um século antes, quando o cristianismo era aceito no Japão.
E eu me pergunto, também, o que eu faria se eu nascesse em um tempo e lugar quando minha fé fosse perigosa. Quando carregar uma cruz ou dizer uma oração possa significar a morte ou pior. Eu seria como um dos corajosos crentes japoneses que vemos em Silêncio, cantando hinos enquanto morre? Ou eu seria Kichijiro?
Eu não sei. Eu simplesmente não sei.