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Uma nova paternidade

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Marco Montrasi - publicado em 13/11/17
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O que nos interessa realmente? Que os homens mudem ou que se afirme a minha verdade?Durante sua homilia em Santa Marta na semana passada, o Papa Francisco dizia: “É justamente a esperança que nos leva à plenitude, a esperança de sair desta prisão, desta limitação, desta escravidão, desta corrupção e chegar à glória: um caminho de esperança. (…) Dentro da semente de mostarda, daquele grão pequenininho, há uma força que desencadeia um crescimento inimaginável. Dentro de nós e na criação há uma força que desencadeia: há o Espírito Santo. Que nos dá a esperança. (…) A esperança é a virtude mais humilde, a serva, mas onde existe a esperança existe o Espírito Santo, que leva em frente o Reino de Deus” (Meditação matutina na Capela da Casa Santa Marta, terça-feira, 31 de outubro de 2017).

Uma possibilidade de crescimento inimaginável dentro de uma coisa pequeniníssima, como uma semente. Nós somos essas sementes! Essa possibilidade é real ou é um sonho?

Também Pèguy falava dessa força: “A fé é uma esposa fiel. A caridade é uma mãe ardente. Mas a esperança é uma menina pequenina. (…) Pois bem, essa menina é que atravessará os mundos. Essa menina de nada. Ela sozinha, carregando as outras, que atravessará os mundos inteiros. (…) A pequena esperança avança entre as suas duas irmãs mais velhas e nem a reparamos. (…) Perdida entre as saias das suas irmãs mais velhas. E acredita que sejam as duas maiores que puxam a pequena pela mão. No meio. Entre as duas. Para fazer com que ela percorra aquele caminho irregular da salvação. Cegos que não vêem, ao invés. Ela no meio é que puxa as duas irmãs mais velhas para frente” (De O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude de Charles Péguy).

A origem profunda da crise que estamos vivendo no mundo de hoje é a falta de esperança, o medo do futuro.

O homem vive em esperança, projetado sempre para o futuro, vivendo o futuro no hoje. Entende-se bem isso pensando naquilo que se experimenta quando chega a sexta-feira, ou quando cansados paramos na frente da televisão, um pouco tristes, no domingo à noite. Se formos encontrar a pessoa que amamos daqui a uma hora ou daqui a um dia, o instante presente já fica rico, pleno e vivaz. Se soubéssemos que daqui a um mês teríamos de fazer um exame médico importante já desde hoje ficaríamos preocupados.

No homem, o presente e o futuro se evocam sempre reciprocamente porque o homem vive no hoje, mas está intrinsecamente tendido para o futuro, está lançado para o futuro, é espera.

Por isso é necessário um “grande” presente para que o futuro seja uma promessa. Porque a esperança, a pequena, puxa o presente em direção ao futuro, mas a força para puxar lhe vem, como descreve genialmente Péguy, da certeza da presença das duas irmãs mais velhas, uma presença certa que nunca te abandonará. E isso atualiza o futuro no presente gerando uma paz e uma vontade de viver.

A gente percebe um homem que vive com esperança pelo rosto. Não se trata de esperar um futuro melhor. Trata-se de ter já hoje algo que move você, muda-o e lhe abre um caminho. E lhe dá vontade de caminhar.

Sem esperança, eu devo defender um espaço e vivo dominado pelo medo. Passo a vida construindo muros e cuidando da sua manutenção, mas o ar, entre os muros, fica estagnado. E preciso esperar que passe esse tempo triste. Mas não há coisa mais degradante que esperar o tempo passar. Ao contrário, na esperança não temos medo do tempo. O futuro sem uma certeza se torna um peso muito grande para ser suportado. Por isso vemos quanta dificuldade para se viver.

Mas, então, o que é capaz de despertar esta esperança em mim?

 Há algumas semanas, Julián Carrón, autor do livro A beleza desarmada (Companhia Ilimitada, São Paulo, 2016) dizia num encontro realizado em São Paulo que “quanto mais o deserto avança, mais fácil será desafiar o ambiente com uma novidade de vida. Porque as coisas mais elementares da vida, como olhar uma pessoa nos olhos, fazer um gesto gratuito, gerarão um maravilhamento absoluto. Por quê? Porque essas coisas, que pareceriam normais começam a não ser normais. E farão nascer a pergunta: ‘quem é você?’”.

Mais que a atitude do guerreiro que se arma para defender a sua terra, este momento nos pede para aprendermos a ser pais; uma nova paternidade a ser praticada com quem encontramos, capazes de olhar para o outro não como um inimigo a ser combatido, mas como um filho cuja única necessidade é ser amado. Ser como pais repletos daquela preocupação profunda pelo fato de ainda não conseguirem fazer com que os filhos entendam a beleza de uma determinada coisa. Os pais ficam com raiva, mas no final o que fazem é permanecer, não desistem, talvez em silêncio muitas vezes, esperando e vivendo. Vivendo e querendo aprender a viver aquele amor contínuo, esperando que antes ou depois se abra uma brecha e faça acender uma faísca e assim os próprios filhos possam crescer.

Diante do colapso de tantas evidências, a nossa ação deve olhar mais além. Certamente, não recuar diante daquilo que devemos e podemos defender, mas o desafio é mover o horizonte para tentarmos nos identificar com as pessoas que encontramos, com a sociedade que facilmente se perde e grita, sem dizê-lo. O que nos interessa realmente? Que os homens mudem ou que se afirme a minha verdade? O amor à verdade não pode estar dissociado do desejo da mudança do homem.

Neste sentido, queria citar a experiência das APAC’s (Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados) e de Valdeci Ferreira, que me ajudaram muito a entender esta nova maneira de estar diante deste momento de crise, mas que é também um momento estupendo, como dizia Carrón. Voluntário há 30 anos, Valdeci acabou de receber no último dia 6 de novembro o prêmio de Empreendedor Social do Ano, promovido pela Folha de S.Paulo em parceria com a Fundação Schwab, desde 2005. Ele é o diretor da FBAC, uma federação que reúne as APAC’s, que atualmente, no Brasil, contam com mais de cinquenta unidades. Para ingressar numa APAC o prisioneiro deve ter sido condenado definitivamente, deve ter cumprido um período de detenção no presídio comum e deve ter feito o pedido para entrar numa APAC.

Certa vez, Valdeci nos contou a história de Washington, um dos recuperandos. “Ele era muito agressivo, tivemos muita dificuldade com ele: não queria fazer nada e contaminava o grupo. Estávamos a ponto de transferi-lo quando aconteceu uma das ‘Jornadas de libertação com Cristo’, que é um dos doze pilares do nosso método. Washington estava lá na primeira fila, só porque tinha sido obrigado. Estávamos no auditório do regime fechado, no qual há 8 portões que se abrem e se fecham em concatenação. Quando eu perguntei: ‘Por que você não foge?’, ele deu um pulo: ‘Porque os portões estão fechados’. Então eu mandei abri-los. Um por um. ‘Por que você não foge agora?’. ‘E quem me garante que lá fora não haja alguém que vai me prender?’. ‘Você não acredita? Saia e traga um sinal de que esteve ‘fora’. Ele se levantou e saiu. Silêncio absoluto. Foram os 5 minutos mais longos da minha vida. Washington voltou trazendo na mão um ramo. Eu lhe perguntei: ‘Por que você voltou? Tem tantos anos de condenação…’, mas ele começou a chorar: ‘Ninguém jamais tinha acreditado em mim’’’. E Valdeci concluía: “O amor pode recuperar todos. A partir do nome e de um encontro”.

“Ninguém jamais tinha acreditado em mim”. É necessário o encontro com um olhar humano, de um pai, para chegar a descobrir que “dentro de nós e na criação existe uma força que desencadeia uma possibilidade de crescimento inimaginável” (Papa Francisco).

O que o Papa está mostrando ao mundo, isto é, que a experiência de viver com esperança é possível, que o presente vale a pena ser vivido e que é possível percorrer um caminho humano cheio de positividade. Tudo isso vemos em exemplos como o de Washington e das APAC’s, e no olhar do Papa Francisco. Histórias de homens que não fazem notícia. Por isso precisamos ficar atentos, procurar e se possível seguir essas pessoas que são como estrelas, ou seja, sinais de uma nova paternidade que o mundo, mesmo sem saber, espera. Estrelas que iluminam a noite escura que amedronta, mas que de repente caminha em direção à luz por causa da presença de algo real que aparece e que não é um sonho.

Por Marco Montrasi:  economista e responsável pelo Movimento Comunhão e Libertação no Brasil

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