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O primeiro corpo incorrupto da história da Igreja

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Padre Paulo Ricardo - publicado em 03/12/18
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Foi no século II que viveu a primeira santa a experimentar o fenômeno da incorruptibilidadeA história indica que a primeira santa a experimentar o fenômeno da incorruptibilidade foi Santa Cecília, a padroeira dos músicos. O ano de seu nascimento é desconhecido, mas acredita-se que ela tenha morrido por volta do ano 177 depois de Cristo.

Cecília pertencia a uma rica e distinta família romana, que, apesar do desejo da menina de permanecer virgem, ofereceu a sua mão em casamento a um jovem nobre chamado Valeriano. Na noite de núpcias, Cecília conseguiu convencer o seu esposo a respeitar o seu voto de virgindade e, depois, converteu-o à fé, quando ele foi favorecido com uma visão do seu anjo da guarda. Valeriano e o seu irmão, Tibúrcio, também convertido por ela, foram perseguidos e instados a renunciarem à religião cristã. Como ambos heroicamente se recusassem a fazê-lo, foram decapitados e enterrados ao longo da Via Ápia. Cecília foi presa por ter sepultado os seus corpos e, por esse “crime”, teve que escolher entre sacrificar aos deuses pagãos e enfrentar a morte. Ela prontamente afirmou a sua fé e preferiu o caminho do martírio.

Por causa de sua nobreza e juventude, os seus algozes decidiram executá-la em segredo, para evitarem as previsíveis críticas do povo. Cecília foi presa no banheiro de sua casa para morrer por asfixia pelos vapores d’água. Ela permaneceu um dia e uma noite inteiros nesse ambiente sufocante, sem que lhe acontecesse qualquer mal.

Um executor experiente, então, foi enviado para decepar-lhe a cabeça, mas, devido à falta de coragem em matar uma mulher tão jovem e bela, ele não conseguiu cortar a sua cabeça com os três golpes prescritos pela lei. O carrasco acabou fugindo, deixando a santa no pavimento de seu banheiro, viva e totalmente consciente, com a cabeça cortada pela metade. Deitada para o lado direito, com as mãos cruzadas em oração, ela voltou a sua cabeça para o chão e continuou rezando na mesma postura por três dias e três noites. A posição dos seus dedos, três estendidos na mão direita e um na esquerda, foram a sua última e silenciosa profissão de fé na Santíssima Trindade.

Detalhe de uma escultura de Santa Cecília, trabalhada por Stefano Maderno

Os primeiros cristãos vestiram o corpo da mártir com uma rica túnica de seda e de ouro e colocaram-no em um caixão de cipreste na mesma posição em que ela expirou. Aos seus pés foram colocados os mantos e panos de linho usados para coletar o seu sangue. Ela foi sepultada nas Catacumbas de São Calisto por um bispo de nome Urbano, que também tinha batizado o seu marido e o seu cunhado.

No ano 822, durante o período de restauração da igreja dedicada à sua memória, o Papa Pascoal I quis transferir os restos da santa a um lugar de honra em sua catedral, mas não conseguia localizar o seu túmulo. A santa apareceu-lhe em uma visão extraordinária enquanto ele rezava e contou-lhe o lugar em que estava o seu corpo. A relíquia foi encontrada exatamente no lugar indicado. O Papa, então, colocou o corpo, junto com os ossos do seu marido, do seu cunhado e do mártir Máximo, logo abaixo do altar do templo.

Setecentos e setenta e sete anos depois, em 1599, ocorreu uma das mais documentadas exumações do corpo de um santo, quando o Cardeal Paolo Emilio Sfondrati, amigo de São Filipe Néri, ordenou a restauração de algumas partes da basílica. No dia 20 de outubro daquele ano, enquanto se trabalhava embaixo e perto do altar-mor, dois sarcófagos de mármore branco foram descobertos: eles correspondiam à descrição deixada por Pascoal I das urnas que continham as relíquias dos santos mártires.

O Cardeal mandou que se abrisse o sarcófago na presença de testemunhas de inquestionável integridade. Depois que a cobertura de mármore foi removida, o caixão original de cipreste foi encontrado em ótimo estado de conservação. O prelado, com compreensível emoção, levantou a tampa, deixando à vista o tesouro que havia sido guardado pelos papas Urbano e Pascal. Os restos mortais foram encontrados na mesma posição em que a santa tinha morrido, quase 1500 anos antes.

Através de um manto de seda que modestamente cobria o seu corpo, era possível ver o vestido dourado da santa, a ferida mortal no seu pescoço e as roupas manchadas de sangue. O Papa Clemente VIII foi imediatamente informado da descoberta e enviou o Cardeal Barônio para examinar o caso, juntamente com Antonio Bosio, explorador das catacumbas de Roma, que nos deixaram inestimáveis documentos descrevendo essa exumação.

Olhando através do velho manto que cobria o seu corpo, eles notaram que Cecília era de baixa estatura, e que a sua cabeça estava voltada para baixo, mas, devido a uma “santa reverência”, não fizeram mais nenhuma examinação. Bosio registrou a sua opinião de que a santa foi encontrada na mesma posição em que havia expirado [1].

O Cardeal Sfondrato quis guardar como memorial desse tocante evento um pedaço do tecido coberto de sangue, e distribuiu pequenas relíquias a vários cardeais em Roma. Mas após inspecionar o último pedaço, que ele tinha reservado para si, o prelado descobriu grudado ao tecido um pequeno fragmento do osso da santa, que tinha sido deslocado pela espada e que um cristão primitivo tinha colhido sem perceber enquanto estancava a ferida da santa mártir. Sfondrato preservou essa relíquia como um querido e inestimável tesouro e colocou-a junto dos crânios de São Valeriano, São Tibúrcio e São Máximo, em relicários separados para exposição [2].

O Cardeal também quis reter um pequeno pedaço do vestido da santa e, enquanto o segurava, sentiu debaixo das roupas da virgem as cordas e nós de uma camisa que ela provavelmente usava como cilício [3].

A urna da santa foi colocada em uma sala situada na parte de cima da nave da basílica, onde podia ser vista através de uma janela com grades. A plataforma e a urna foram cobertas com cortinas de seda douradas, e a sala foi esplendidamente decorada com candelabros, belas lamparinas e flores de prata e ouro. Depois, o santuário foi inundado de um misterioso e agradável odor de rosas que procedia do caixão [4].

Por ordem do Papa Clemente VIII, a relíquia foi deixada exposta ali até a festa de Santa Cecília, no dia 22 de novembro, e tão grande era a multidão de fiéis romanos que acorreram à basílica que a Guarda Suíça foi chamada ao local para manter a ordem [5].

Após o período de um mês de exposição, a relíquia, ainda repousando no antigo caixão de cipreste, foi colocada em um novo caixão de prata, comissionado pelo próprio Papa como símbolo de sua veneração pela santa mártir. Na presença de 42 cardeais e representantes diplomáticos de vários países, o Papa celebrou uma Missa Solene durante a qual o corpo da santa foi novamente depositado sob o altar principal.

Um escultor de talento incomum, Stefano Maderno (1576-1636), que parecia empenhado em desempenhar o seu ofício durante a restauração da basílica, esculpiu uma imagem da santa, que é reputada como uma das mais celebradas e conhecidas obras de arte da Itália. Acredita-se que Maderno tenha representado a santa na exata posição em que permaneceu o seu corpo incorrupto. Essa estátua é encontrada imediatamente em frente ao altar-mor em um nicho de mármore preto, que foi designado pelo artista para dar a impressão de um sarcófago aberto. Fazendo isso, Maderno introduziu um novo design de altar, que foi frequentemente imitado depois [6].

Acredita-se que a Basílica de Santa Cecília tenha sido construída no local em que estava a mansão de sua família. A segunda capela, na nave lateral à direita, é chamada de caldário (caldarium, em latim) e é o quarto onde a santa foi condenada à morte. Aí são encontrados os restos de uma antiga banheira romana; os dutos, que continham a água aquecida, estão preservados. A peça de mármore sobre o altar é aquela em que se acredita que Cecília tenha sobrevivido ao primeiro martírio por asfixia, e pode muito bem ser a laje que marcou o lugar de sua morte.

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