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Gerontofobia e banalização da violência contra os idosos

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Miguel Pastorino - publicado em 15/06/20
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Abusos e maus-tratos de idosos não acontecem somente nas ruas e centros de saúde, mas especialmente dentro de casa

Todo dia 15 de junho surgem várias campanhas sobre a importância de valorizar os idosos. Desde 2012, por resolução da ONU, comemora-se, nesta data, o dia mundial contra os abusos e maus-tratos na terceira idade.

Em muitos países, a violência contra os idosos toma diversas formas, mas, em sua maioria são invisíveis para a sociedade –  um drama cotidiano do qual é preciso ter ciência e ao qual temos que fazer frente com uma mudança de mentalidade.

Em recente entrevista, a filósofa espanhola Adela Cortina denunciou o que está acontecendo com os mais velhos em nossa sociedade assustada com a pandemia e marcada por uma mentalidade utilitarista, que relaciona a dignidade humana com a produtividade. Cortina denuncia uma espécie de gerontofobia, em que os idosos passam a ser seres sem valor, pois não são produtivos. Diz a filósofa

“Há determinadas correntes bioética que têm como decisiva a discriminação por causa da idade, quando teria que levar em conta diferentes fatores. Mas essa forma de proceder introduz essa terrível convicção de que há vidas sem valor social. Uma convicção que impregna a vida cotidiana, quando discriminar alguém por causa da sua idade ou de alguma deficiência é imoral e inconstitucional”.

Em diversas ocasiões, o Papa Francisco alertou sobre a “cultura do descarte”, referindo-se a uma mentalidade que tende a valorizar as pessoas por sua utilidade pessoal, por sua produtividade, esquecendo que toda pessoa tem dignidade como ser humano, independentemente de sua idade ou situação.

Vivemos em uma sociedade em que o ser humano é o que produz, em que o valor da idade depende do tipo de trabalho realizado, da produtividade, da posição social, da aparência, da força física, da independência econômica, da eficiência profissional. E tudo isso começa a se perder com a idade, quando aparecem sentimentos de grande frustração e impotência, de desorientação sobre o sentido da vida e do fato de se sentir uma carga ou um estorvo para os outros.

Isso se torna mais cruel quando a sociedade, principalmente os jovens, veem com certa naturalidade os maus-tratos e a violação dos direitos dos idosos.

Todos envelhecemos e vivemos cada vez mais. A expectativa de vida tem aumentado consideravelmente. Além disso, as pessoas se mantêm saudáveis por mais tempo. Segundo estimativas recentes, em 2050, mais de 20% da população mundial terá mais de 60 anos.

De um lado, estão os “jovens anciãos”, recém-aposentados, que ainda estão muito saudáveis de corpo e mente e podem seguir ativos depois dos 60 ou 65 anos. De outro, os que sofrem alterações importantes na saúde e precisam de atenção permanente. Finalmente, estão aqueles que padecem de doenças que provocam transtornos de personalidade – como o Alzheimer -, que são totalmente dependentes dos outros.

Uma violência invisível: gerontofobia?

Abusos e maus-tratos de idosos não acontecem só nas ruas ou nos centros de saúde, mas especialmente dentro de casa, pelas mãos de filhos e netos. As formas de violência vão desde a apropriação indevida de aposentadorias, a omissão de assistência, os maus-tratos psicológicos e físicos, sem falar no abandono total.

 Durante a pandemia, os idosos não apenas se tornaram “população vulnerável” mas também foram descartados em países onde os recursos sanitários não eram suficientes, provocando um verdadeiro dilema ético entre os profissionais de saúde.

Essa crise evidenciou a mentalidade daquele que os abandona e o sofrimento que os velhinhos padecem por serem vistos dessa maneira. O certo é que o domínio da lógica econômica em todos os âmbitos da vida e os valores que nos impõem nos deixaram quase cegos para o tesouro que a velhice esconde.

No mundo de hoje, o modelo de realização pessoal parece ser o de um adolescente eternizado, e, assim, a maturidade e velhice parecem ser uma etapa a que ninguém deseja chegar. É que o contato com pessoas mais velhas é sempre um silencioso confronto com nosso próprio envelhecimento e com nossos medos.

Quem neglicencia seu próprio envelhecimento transportará essa negligência aos idosos, porque a vida dos anciãos é um espelho de um futuro inevitável.

Por outro lado, quem, em sua juventude, consegue aceitar os idosos com suas limitações, de alguma maneira valorizará suas próprias virtudes da velhice e será capaz de ver os valores e riquezas desta fase da vida. O amor, o respeito, o cuidado e a generosidade com os mais fracos são uma forma de abraçar a própria vulnerabilidade.

Todas as pessoas, independentemente de idade ou condição social, têm a mesma dignidade – e isso deveria ser o suficiente para que nenhum ser humano fosse desvalorizado. Mas, a propósito daqueles que se preocupam com a rentabilidade das pessoas, Adela Cortina é precisa:

 “As pessoas com mais idade contam com uma experiência e um conhecimento muito valiosos, pois nem tudo nessa vida é competência digital. Mas, indo além, quem torna possível a conciliação familiar dos jovens, o trabalho e a diversão são os avós que se encarregam dos netos; há famílias que sobrevivem por causa da aposentadoria dos avós, o turismo se mantém, em boa medida, graças aos mais velhos e, sem eles, a indústria farmacêutica quebraria. Portanto, eles não só têm dignidade como também são financeiramente rentáveis.”

Educar as crianças e jovens em relação aos valores da velhice despertará uma nova sensibilidade, um novo modo de ver a própria vida e a dos outros. Porque toda vida é limitada e frágil. Por isso, uma vida autêntica é uma vida que sabe aceitar a realidade, que sabe assumir o limite da própria finitude como possibilidade de uma existência verdadeiramente humana.

Cada etapa da vida tem suas próprias tarefas, seus encantos e belezas, assim como limites e perigos. E quanto mais compreendemos a vida dos outros em suas diversas etapas, mais compreenderemos a nós mesmos. Cuidar de nossos idosos é cuidar da humanidade!


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