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Mianmar: denúncia de atrocidades em aldeias onde vivem comunidades católicas

Une église catholique située à Hakha, dans l'État Chin (Birmanie).

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Reportagem local - publicado em 12/06/22
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O relato é impressionante e refere que houve até ataques de artilharia

“A estratégia de terror adotada pelos militares, para demover novas revoltas, atua agora também sobre a minoria católica luso-descendente.” A denúncia é da AILD, a Associação Internacional de Lusodescendentes, que está a acompanhar a situação em Mianmar. Esta organização enviou para a Fundação AIS, em Lisboa, um comunicado onde descreve alguns dos ataques a aldeias onde vivem comunidades católicas e fala em “atrocidades” e “genocídio”.

Segundo a AILD, em causa está a situação de milhares de católicos, os bayingyis, descendentes de combatentes portugueses que entre os séculos XVI e XVII estiveram ao serviço dos monarcas birmaneses. Esta comunidade católica, explica a associação, está distribuída por 13 aldeias e algumas delas foram palco de episódios de particular violência por parte dos militares de Mianmar. 

A primeira aldeia vítima de agressão foi Chaung Yoe, “a escassos dias das celebrações do Natal” do ano passado. Seguiram-se mais três ataques, já este ano, a 25 de Fevereiro, 28 de Março e 20 de Maio. O relato é impressionante e refere que houve até ataques de artilharia. 

Ataques

No dia 28 de Março, por exemplo, a aldeia foi atacada “por elementos à civil, fortemente armados, que tiveram como alvo o complexo da Igreja, disparando sobre a casa do clero e aprisionando 3 religiosos”. “No mesmo dia foram assassinados, a tiro, um dos habitantes e o seu filho, no momento em que fugiam pelos arrozais”, prossegue a descrição. “O grupo ainda incendiou 17 casas, a capela e o santuário da aldeia. Recentemente, a 20 de Maio, os soldados voltaram a Chaung Yoe, munidos de artilharia. Ao todo, mais de 300 casas foram destruídas à bomba. A aldeia era composta por cerca de 350 fogos, sendo que, neste momento, apenas 20 casas permaneceram intactas em toda a aldeia.”

A outra aldeia que sofreu a violência dos militares foi Chan-tha-ywa. A 10 de Janeiro deste ano, “os soldados tomaram toda a aldeia, saqueando as habitações”. Segundo a Associação Internacional de Lusodescendentes, os militares “abateram todo o tipo de animais domésticos, sustento das populações (vacas, búfalos, porcos, etc.), prenderam os poucos doentes e idosos que não puderam fugir, chegando a executar 3 habitantes, sem qualquer motivo”, pode ler-se ainda no texto. “A 6 de Maio de 2022, os soldados voltaram a Chan-tha-ywa, tendo incendiado 22 casas e destruído as respectivas colheitas.”

Estes dados foram confirmados junto de um sacerdote local – que não pode ser identificado por questões de segurança – por Joaquim Magalhães de Castro, jornalista, investigador da História da Expansão Portuguesa e autor de diversos livros, nomeadamente “Viagem ao Tecto do Mundo”, que foi adaptado para documentário e exibido na televisão portuguesa. Joaquim Castro, que é também director-geral para a região Ásia Pacífico da AILD, considera, em declarações à Fundação AIS, que esta situação não o surpreendeu, apesar de toda a violência que está subjacente. 

Violência

“Na verdade, não me surpreendeu a violência dos militares birmaneses pois é conhecido o seu modus operandi. Quem queima todas as casas de uma aldeia é muito capaz de matar a eito. Aliás, os quatro casos (conhecidos) de assassinato de bayingyis são reveladores: dois deles foram torturados antes de serem abatidos a tiro e um terceiro tinha uma grave deficiência cognitiva. Ou seja, os soldados mataram por divertimento. No ataque mais recente, a 20 de Maio, as pessoas fugiram da aldeia visada antes da chegada dos militares, e felizmente, caso contrário tinha havido mais mortes.” Joaquim de Castro fala do futuro com apreensão, pois tem receio de que novos incidentes graves possam vir a ocorrer. “Temo pelas restantes aldeias – são muitas. Toda a região está em pé de guerra e há outras minorias étnicas na mira dos esbirros da Junta agora de novo no poder”, diz o investigador.

A Associação afirma ainda que “milhares de membros do povo Bayingyi tornaram-se refugiados, encontrando-se agora distribuídos por aldeias vizinhas ou nos complexos das organizações religiosas”. A situação em que se encontram é muito difícil pelo que é pedida ajuda para estas populações católicas, nomeadamente através da “Arquidiocese de Mandalay, a única instituição com capacidade para chegar às populações e em condições de dialogar com as forças do regime”.

Situação

A Fundação AIS tem vindo a acompanhar com preocupação a situação em Mianmar. A 1 de Fevereiro deste ano, quando se assinalou o primeiro aniversário do golpe militar, a AIS convocou os seus benfeitores e amigos em todo o mundo para uma jornada de oração e de solidariedade para com a Igreja deste país asiático. Na ocasião, Thomas Heine-Geldern, presidente executivo internacional da Fundação AIS, gravou uma mensagem desde Königstein, na Alemanha, explicando que a jornada de oração procurava ser “um sinal de solidariedade e de fraternidade” para com a Igreja local, lembrando todas as “vítimas inocentes” da violência que irrompeu neste país, desde que os militares tomaram conta do poder. 

Apesar das enormes dificuldades de comunicação com o país, a Ajuda à Igreja que Sofre tem procurado acompanhar o evoluir dos acontecimentos. Em Fevereiro, por exemplo, sabia-se que 14 paróquias no estado de Kayah haviam sido abandonadas, com muitos padres e irmãs refugiados na selva ou em aldeias remotas, acompanhando as populações locais, e que entre os milhares de deslocados, cerca de três centenas de pessoas, na sua maioria idosos, mulheres, crianças e deficientes, teriam procurado abrigo no complexo da catedral de Kayah.

(Com AIS)

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