O inferno na terra é o que os passageiros do voo 571 experimentaram em 13 de Outubro de 1972. Quando a equipe de rugby uruguaia, os "Old Christians", e as suas famílias embarcaram no Fairchild FH-227 D para o Chile, o impensável aconteceu. O avião desapareceu subitamente do radar depois de atingir o pico de uma montanha, e caiu na neve dos glaciares a uma altitude de quase 4.000 metros. Apenas 16 dos 45 passageiros sobreviveram, após lutar contra a morte durante dois meses à custa de decisões e sacrifícios inimagináveis.
Dois deles, incluindo Gustavo Zerbino, arriscaram as suas vidas ao descerem a montanha no frio extremo para procurar ajuda, tendo a busca sido interrompida por ter sido infrutífera após dez dias. Sentindo raiva e desespero, Gustavo sente o apoio inabalável de Deus. A sua compreensão da fé foi transformada: "Eu tinha uma visão diferente de Deus, que tinha visto como essencialmente punitiva desde criança", diz ele à Aleteia. "Nas montanhas, encontrei um Deus bom, que me acompanhou, apoiou-me. Ele era amor". Antes de descer, Gustavo coloca toda a sua energia na tentativa de salvar os gravemente feridos, através de ligaduras e tratamentos com os meios à mão. "No rugby, o grande, o alto, o pequeno, o lento, o rápido, todos têm de desempenhar um papel. Neste caso, era eu que tinha de ser médico, que tinha de ir buscar ajuda, eu tinha muitos papéis. Como todas as outras pessoas".
Necrofagia para sobreviver
Após várias semanas, alguns optaram por recorrer à antropofagia, ou mais precisamente à necrofagia para a alimentação, tendo tentado ingerir até cintos de couro. Outros, incapazes de se imporem tal transgressão, deixam-se morrer de fome. "Tomamos a terrível decisão de que, para sobreviver, teríamos de ultrapassar todos os obstáculos, sejam eles religiosos ou biológicos", explicou um dos sobreviventes na altura.
Todos eles eram católicos e explicariam que foi a sua fé que lhes permitiu não só sobreviver, mas também superar as consequências psicológicas de uma tal tragédia.
Esta escolha gera obviamente a sua quota de polêmicas, críticas e julgamentos. Especialmente porque os sobreviventes o justificaram na altura, referindo-se ao sacrifício de Cristo na cruz para a salvação da humanidade, e à instituição da Eucaristia na véspera da sua Paixão. Ao mesmo tempo, a resiliência destes jovens - todos eles na casa dos vinte anos, com excepção de um homem de 36 anos - é questionável. Todos eles eram católicos e explicariam que foi a sua fé que lhes permitiu não só sobreviver, mas também superar as consequências psicológicas de uma tal tragédia. No final, a Igreja Católica decidiu: o Papa Paulo VI absolveu-os.
50 anos mais tarde, uma missa no local
50 anos após este trágico acontecimento, o Padre Diego Maria foi contactado por um dos sobreviventes para regressar ao local da tragédia. Acompanhando Gustavo Zerbino e a sua família, ele subiu a montanha de forma peregrina, e uma vez alcançado o cume, celebrou uma missa em memória dos mortos. "Rezei por cada uma das pessoas que morreram ali, naquela cordilheira", explica o padre. Uma vez chegado ao local, parte do avião foi utilizada como um altar. Gustavo Zerbino também transportava erva do campo de rugby uruguaio onde jogava com os seus amigos. Pai de seis filhos, Zerbino manteve uma fé forte apesar da violência dos acontecimentos que suportou. Tem uma profunda devoção, especialmente à Virgem de Guadalupe, cujo nome a sua filha mais nova leva.
O próprio Papa Francisco reagiu à comemoração numa carta datada de 10 de Outubro, na qual apelava a orações pelos familiares dos mortos, com especial destaque para as mães dos que morreram no acidente. O Papa expressou também a sua gratidão pelo testemunho dado pelos jogadores de rugby, "onde a dor e a incompreensão do que foi vivido se transforma, para muitos, num sinal de vida e de esperança".
Como podemos encontrar Deus em todo este sofrimento? "Devemos recordar que Cristo Ressuscitado e Peregrino sabe tudo sobre os nossos sofrimentos e associa-se inteiramente a eles. As lágrimas colocadas nas suas mãos dão-nos a certeza da ressurreição que nos reunirá a todos", explica o Padre Diego Maria. "Regressamos da Cordilheira num estado de graça muito elevado. Estávamos num estado de aceitação. Quando se recusa a aceitar a realidade, sofre-se. Aí aprendemos que por muito que chorássemos, por muito que gritássemos, continuaríamos a ter frio, a ter fome. Era melhor aceitar e render-se a Deus".
Um dos sobreviventes do acidente, Nando Parrado, publicou em 2006 um livro intitulado O Milagre nos Andes. Um milagre que não é tanto sobre a sobrevivência destes 16 homens, mas sobre a persistência da sua fé após o inconcebível. Uma fé de mover montanhas.