Nota: para os leitores que se perguntam sobre os doces e tradições mencionados pelo autor, informamos que Ary Waldir é colombiano. Eis o seu tocante depoimento sobre a bondade de uma vizinha que, passados quarenta anos, continuará sempre viva no coração dele e de dezenas de crianças do seu bairro.
Por que um dos pastores do nosso presépio, aqui em casa, se chama Filomeno?
Esta pergunta nasceu em família, enquanto preparávamos o presépio este ano. Então contei para a minha filha a história deste segredo que guardei no coração.
O presépio na minha infância era algo mágico: parecia que Jesus nascia para resolver os problemas de todo o bairro.
As novenas acompanhadas de bolinhos, dedinhos de queijo e "arequipe" eram a novidade mais doce depois das canções e declamações natalinas. Carlos, o magricela, comia como se não houvesse amanhã.
Todas as casas da vizinhança davam espaço ao rito. O seu Juan, da lojinha, sorria mais do que de costume; as pessoas o cumprimentavam e havia mais gentileza. Doávamos alimentos e artigos de primeira necessidade para as famílias que tinham menos.
Minha avó preparava "tamales", e o cheiro delicioso impregnava toda a casa e se infiltrava até sob os telhados das casas vizinhas. Muitas dessas iguarias acabavam no bandejão para os necessitados.
O segredo de Dona Filomena
Uma vizinha do bairro, dona Filomena, certa vez disse às crianças que preparar o presépio 25 anos seguidos trazia um presente inesperado para aquela família. Ela tinha pedido com devoção a São José e à Santíssima Virgem Maria que lhe concedessem um teto sobre sua cabeça. Era uma mulata caribenha de sorriso de pérola, olhos negros brilhantes, cabelos crespos e meio grisalhos. Alta e grandalhona, morava sozinha; tinha um neto militar a quem pouco via.
As novenas de Natal na sua casa vermelha, antiga e arrumada eram uma alegria. A novena de Natal do bairro sempre terminava na casa dela, no dia 24. Para as crianças, era uma festa compartilhar suas cocadas, doces de cana e "arepas" de ovo. Mas também não faltavam suas broncas de vó quando mexíamos os móveis de lugar ou exagerávamos nas brincadeiras, enquanto as outras senhoras nos chamavam para rezar a novena antes de rodearmos a mesa vermelha com as comidinhas natalinas.
Certa vez, dois colegas da escola brigaram na casa dela. Dona Filomena repreendeu a todos nós e pediu que aprendêssemos a perdoar.
Ela morou naquela casa a vida inteira pagando aluguel. Mas talvez Jesus tenha concedido a dona Filomena que o seu coração fosse um presépio vivo para a nossa infância. Os meninos e meninas do bairro tinham um teto para as suas lembranças mais autênticas e afetuosas do Natal. No coração de dona Filomena, todos nós saboreamos o espírito de bondade, proximidade e simplicidade do encontro com o Menino Jesus.
Ela estava certa
Passados quarenta anos, todos nós, aqueles meninos e meninas do bairro, ainda pensamos nela com carinho especial quando chega esta época do ano.
Dona Filomena tinha razão; preparar o presépio em casa ano após ano traz um presente para aquela família, inclusive maior do que o esperado e melhor do que o imaginado pela mente e pela expectativa humana.
Obrigado, dona Filomena! Feliz Natal à sua alma boa e imensa, repleta de amor por Jesus e dessa capacidade de perdoar que a senhora quis presentear aos seus pequenos hóspedes, e que Deus permita que dure para sempre.
É por isso que, no Natal da minha casa, nunca falta uma pequena homenagem à sua memória: um dos pastores do presépio se chama Filomeno.