Vários eventos chegaram às manchetes nos últimos meses, reacendendo o debate sobre o uso de igrejas para outros fins que não o culto. O que realmente se pode fazer em uma igreja usada para adoração e como determinar quais atividades podem ou não ser oferecidas lá? A resposta está longe de ser óbvia, pois, na realidade, não existe uma lista ou texto que autorize ou proíba qualquer atividade específica em uma igreja. O princípio estabelecido no cânon 1210 do Código de Direito Canônico é o seguinte:
No lugar sagrado apenas se admita aquilo que serve para exercer ou promover o culto, a piedade e a religião; e proíbe-se tudo o que seja discordante da santidade do lugar. Porém, o Ordinário pode permitir acidentalmente outros atos ou usos, que não sejam contrários à santidade do lugar.
"Além disso, há a Tradição da Igreja", explica à Aleteia o padre Gautier Mornas, da Comissão de Arte Sacra da Conferência Episcopal francesa. No que diz respeito aos concertos e shows, por exemplo, a Igreja na França se pronunciou em várias ocasiões, especialmente na década de 1990, quando houve um fluxo constante de pedidos. As diretrizes do Conselho Permanente dos Bispos da França, adotadas em 13 de dezembro de 1988, lembram que uma igreja não é uma sala de concertos como qualquer outra e que qualquer evento cultural deve ser compatível com a natureza sagrada do local. O texto também recomenda a aplicação caso a caso e a necessidade absoluta de não conceder autorização permanente. Portanto, cada concerto deve ser objeto de uma solicitação separada.
"Podemos considerar que qualquer atividade que possa elevar a humanidade e ajudá-la a crescer é compatível com a adoração", analisa o Padre Mornas, antes de ressaltar, no entanto, que as linhas desse princípio permanecem vagas. Embora pareça bastante óbvio que um show de heavy metal não tem lugar em uma igreja, a decisão sobre outros tipos de shows pode ser mais complexa.
O administrador da igreja toma a decisão
A partir desse momento, a decisão fica a cargo do livre julgamento da pessoa responsável pela atribuição da igreja, ou seja, o pároco nomeado pelo bispo. De acordo com os termos da lei de 1905 sobre a separação entre Igreja e Estado e a lei de 2 de janeiro de 1907, cabe ao pároco decidir se deve ou não emprestar a igreja para outros usos que não o culto. Os municípios que são proprietários das igrejas (construídas antes de 1905) não podem usá-las por iniciativa própria, pois não têm o direito de usar a propriedade, a menos que a igreja tenha sido desativada ou dessangrada. Como resultado, a organização de atividades culturais deve receber o consentimento do pároco, seguido de um contrato por escrito com o organizador.
As igrejas são um lugar para a vida social?
Além de shows, o que dizer de outras atividades, como oferecimento de refeições? Segundo o Padre Mornas, "nesse tipo de caso, é uma questão de ser consistente e se ater aos ensinamentos de Cristo". "É uma extensão da missão de caridade da Igreja dentro da Igreja. Acreditamos que devemos nos preocupar com os pobres e pregamos isso na missa. Faz sentido praticar obras de caridade nesse lugar sagrado", diz o Padre Mornas, antes de ressaltar que, antes do século XIX, as igrejas eram consideradas locais de vida social.
"Na Idade Média, por exemplo, um corredor de pedestres atravessava a catedral de Périgueux para que as pessoas pudessem ir ao mercado. Não havia nada de chocante nisso. "Sagrado" não significa separado ou excluído das áreas da vida."
Para ajudar os sacerdotes a determinar se essa compatibilidade existe ou não, a Igreja na França lançará uma conferência geral sobre patrimônio religioso em setembro. Além de uma revisão material do patrimônio, será levantada a questão do seu futuro. Devem ser estabelecidas diretrizes para ajudar os padres a decidir sobre o uso compatível fora do culto.
Usos compatíveis, usos compartilhados?
Para Edouard de Lamaze, presidente do Observatório do Patrimônio Religioso, o termo "usos compatíveis" é muito restritivo. Ele deve ser substituído pelo termo mais flexível "uso compartilhado" ou "misto".
Em termos práticos, isso significa manter parte da igreja para adoração e deixar outra parte para ser usada como local de vida social, por exemplo, para realizar reuniões de associações ou simplesmente para dar aulas de catecismo. "Perdemos o uso de nossas igrejas até mesmo para a prática da religião", lamenta Edouard de Lamaze. "Hoje em dia, as crianças têm de viajar 10 ou 20 quilômetros até o presbitério da paróquia mais próxima para assistir às aulas de catecismo. É uma pena", lamenta ele.
Para esse conservacionista do patrimônio, a adoção dessa estratégia é vital para as igrejas do interior, que muitas vezes são abandonadas e fechadas.
"Está longe de ser contraditório com a presença real de Cristo em nossos locais de culto", acredita ele, acrescentando que as igrejas desativadas também devem ser tratadas com o mesmo respeito.
"Esses são lugares repletos de memória. Não se pode simplesmente fazer qualquer coisa nelas. Elas tinham uma vocação e nos lembram que somos um país cristão. De acordo com Edouard de Lamaze, o uso compartilhado pressupõe um diálogo fluido entre o clero e o prefeito local.
"O prefeito é um 'padre leigo'. Precisamos ser capazes de trabalhar juntos em harmonia", ele recomenda. Cabe aos fiéis e ao padre manter, paralelamente e como prioridade, uma vida de oração na igreja para que ela mantenha sua vocação original: terço, missa uma vez por mês, etc. "Edificações abertas são bons lugares para se viver e trabalhar. Edifícios abertos são edifícios vivos e protegidos. Quanto mais abertas forem nossas igrejas, mais tempo elas sobreviverão", conclui Edouard de Lamaze.