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Ucrânia: no meio da guerra, um padre fala da sua missão e diz que “cada dia pode ser o último”

Ukrainian flag St. Peter's Basilica

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Fundação AIS - publicado em 23/07/23
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A invasão da Ucrânia começou em Fevereiro do ano passado. A ocupação da cidade de Kherson pelas tropas russas teve início apenas um mês mais tarde. Veio o frio, o inverno. E veio também a reconquista pelos ucranianos. E a guerra continuou. E em Kherson continua também o Padre Ignatius Moskalyuk. Ele é o reitor do mosteiro basiliano de São Volodymyr, o Grande. Juntamente com o Irmão Pius, eles são a certeza de que a Igreja não abandona ninguém nem mesmo no meio da guerra…

Não haverá ninguém no mundo que não tenha ouvido já falar em Kherson. Esta cidade, situada no sul da Ucrânia e que é banhada pelo rio Dnieper, tem sido palco de ferozes combates praticamente desde o início da invasão das tropas russas, em Fevereiro de 2022. Kherson foi ocupada pelos russos logo em Março, e foi libertada pelos ucranianos nove meses depois. Durante meses choveram misseis e obuses. Há poucas semanas, a 6 de Julho, uma barragem situada na região foi destruída, alagando campos e casas.

No meio desta violência e destruição, o Padre Ignatius Moskalyuk, reitor do mosteiro basiliano de São Volodymyr, continua no seu posto, continua a sua missão, juntamente com o Irmão Pius, de serviço às populações que todos os dias enfrentam o medo e a morte. E falou de tudo isto com Maria Lozano da Fundação AIS. A começar por si próprio, pelo que mudou na sua vida desde que a guerra chegou com toda a violência até à cidade de Kherson, até à Ucrânia. “Desde que a guerra começou, tenho consciência de que cada dia pode ser o último. Quando me deito não sei se viverei para ver o próximo nascer do sol e assim sucessivamente.

Psicologicamente, no início, era-me difícil lidar com esta situação, por isso comecei a pedir ao Senhor, durante a adoração ao Santíssimo Sacramento, que me desse uma resposta.” E a resposta veio com a oração. “Disse ao Irmão Pio, que ficou aqui comigo durante toda a ocupação, que dali em diante viveríamos como antes da guerra, isto é, dedicados à oração e a ajudar as pessoas que ficaram em Kherson. Os idosos, os doentes, os jovens que não têm para onde ir e aqueles que foram apanhados em Kherson pela guerra. Não podemos deixar estas pessoas sozinhas.”

“Toda a gente ficou assustada”

Ficar e ajudar passou a ser todo um programa para estes dois homens de Deus apanhados pelo maior conflito armado na Europa desde a II Guerra Mundial. Foram já, até agora, longos dias e semanas e meses debaixo de bombardeamentos, de explosões, de violência e morte. E quando pensavam que já tinham visto tudo o que de horrível a guerra pode causar, houve ainda a destruição da barragem de Nova-Kakhovka, situada na região. Quando ouviu a notícia do que tinha acontecido, o padre Ignatius temeu o pior. “Toda a gente ficou assustada”, confessa à Fundação AIS.

“Foi certamente terrível testemunhar com os nossos próprios olhos como os edifícios foram arrastados, os animais se afogaram e as pessoas que estavam presas nas suas casas tiveram de ser resgatadas. Foi terrível, mas a nossa confiança em Deus permaneceu inabalável, assim como a nossa confiança de que o mal não pode prevalecer e de que Deus, nosso Senhor, nos dá força para suportar, tal como suportámos durante a ocupação. Por isso, o meu coração estava tranquilo.” Esta tranquilidade de que fala o reitor do mosteiro basiliano de São Volodymyr, o Grande, ajuda a compreender também porque continua no mesmo local ao fim de tantos longos meses de guerra e de medo e incerteza. Ele próprio explica por que tomou a decisão de ficar.

“Depois de nove meses de ocupação, eu precisava de descanso físico e espiritual. Quando disse ao povo de Kherson que ia para a Ucrânia Ocidental para recuperar um pouco, lembro-me de como os fiéis me olhavam nos olhos e me perguntavam: ‘Voltarás para nós, Padre?’ Eu via os seus rostos e as lágrimas nos seus olhos e respondia-lhes: ‘Sim! Não vos deixarei. Ficarei convosco até ao fim, se for essa a vontade de Deus Nosso Senhor. Enquanto for essa a sua vontade, ficarei convosco’.”

Confiar ainda mais em Deus

Partir, deixar estas populações, abandonar os mais frágeis, os idosos, os doentes, não seria nunca uma opção. A presença destes dois homens de Deus no meio de uma cidade que vive o inferno da guerra, é um sinal também da importância insubstituível da Igreja onde há conflitos, nos lugares do mundo onde, às vezes, não há mais nenhuma mão amiga do que a dos sacerdotes, das irmãs, dos consagrados. “Quando o nosso mosteiro auxilia as populações, distribuindo ajuda e prestando atenção às pessoas, elas sentem que as amamos, que as respeitamos e que são importantes para nós”, diz o padre.

E esta presença já começou a dar frutos. “Agora, um grande número de pessoas vem ao nosso mosteiro e pede-nos os sacramentos do baptismo, do matrimónio ou da penitência; todos os dias, 25 ou mesmo 30 pessoas vêm à Santa Missa e recebem a Sagrada Comunhão; entre elas, crianças, jovens... Isto alegra o nosso coração.”

Apesar dos tempos muito duros que se estão a viver, o Padre Ignatius acredita que a fé das pessoas se tornou mais forte. Até com ele isso aconteceu. “Durante a ocupação e a guerra, aprendi a confiar ainda mais em Deus. Eu também costumava confiar nele, mas essa confiança talvez não fosse tão forte como é agora. Agora agradeço a Deus por cada novo dia e por me permitir viver para Ele e para o povo; agradeço a Deus por poder sacrificar a minha vida dia após dia. O maior milagre destes tempos é o facto de ter saúde e de Deus me ter protegido de todos os males. É também um milagre que o nosso mosteiro e a nossa igreja tenham sido preservados e que tenhamos um lugar para rezar, que a nossa igreja não esteja vazia, mas que as pessoas venham até ela. E agradeço a Deus por nos ter dado São José como nosso patrono, em cujas mãos coloco o nosso mosteiro e a nossa cidade. Agradeço a Deus e a São José por olharem por nós.”

Um obrigado especial

Durante todo este tempo de guerra, felizmente, o mosteiro não foi atingido. Por lá, tudo funciona com a normalidade possível num país e numa região em guerra. Mas o facto de o mosteiro estar intacto, não permite esquecer toda a destruição que está ali em volta, todas as lágrimas já derramadas pelos que perderam familiares e amigos, pelos que perderam tudo o que tinham.

“O meu coração dói pelas pessoas que foram privadas das suas casas pela guerra, que foram deixadas ao relento, sem um tecto sobre as suas cabeças. O meu coração dói por elas. Também tenho pena daqueles que ficaram nas suas casas porque não puderam sair, porque são velhos ou estão fracos ou acamados devido a doença, isso magoa-me”, diz o reitor do mosteiro, explicando também quais são as necessidades mais urgentes neste momento. 

“As pessoas precisam de comer, precisam de produtos de higiene, fraldas, detergente em pó... porque a comida ainda está acessível de uma forma ou de outra, mas falta tudo o resto em Kherson. No entanto, dou graças a Deus por tudo. Algumas coisas são fornecidas por voluntários: alguém doa alguma coisa e nós conseguimos distribuir um pouco. Por isso, agradeço a todos aqueles que têm um coração generoso e nos ajudam sempre. E agradeço a Deus porque Ele permite que as nossas mãos sejam as Suas mãos e porque Ele nos envia para as pessoas que mais precisam. Por isso, agradeço a Deus.” E no meio de todos estes agradecimentos há ainda um lugar especial para a Fundação AIS. “Gostaria de agradecer especialmente à Fundação AIS por nos ter possibilitado comprar um carro. Um carro é indispensável na nossa ação pastoral, sobretudo nesta situação difícil.”

(AIS)

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