Três declarações de doutores em História e Sociologia sobre uma difamação propositalÉ sempre um gesto de honestidade intelectual considerar os vários pontos de vista sobre um mesmo assunto antes de sentenciar conclusões absolutas. No tocante à Idade Média, por exemplo, abundam as visões deturpadas por ideologias lacistas que a reduzem a uma era de pura ignorância e barbárie, capitaneada por uma Igreja católica assassina e prostituída. É importante questionar essa absolutização. Há especialistas no assunto que discordam enfaticamente dessa visão truncada sobre aqueles mil anos da nossa história:
“Na visão da Idade Média divulgada pelos historiadores e pelos escritores de dois séculos para cá, medieval, feudal, senhorial constituem, mesmo em nossos dias, insultos ou injúrias, como resultado de uma lenda urdida a partir do século XVIII e sabiamente orquestrada pelos revolucionários franceses de 1789, pelos bonzos da História e, sobretudo, pelos mestres do ensino público”.
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“A ideia de que a Europa caiu numa ‘Era das Trevas’ é um boato espalhado por intelectuais antirreligiosos e amarguradamente anticatólicos do século XVIII, que estavam decididos a afirmar a superioridade cultural do seu próprio tempo e que engrossavam a sua pretensão denegrindo os séculos passados como — nas palavras de Voltaire — uma época em que a ‘barbárie, a superstição e a ignorância cobriram a face do mundo’. Afirmações como essas foram repetidas tão frequentemente e tão unanimemente que, até muito pouco tempo atrás, dicionários e enciclopédias aceitaram a ‘Era das Trevas’ como um fato histórico. Alguns escritores até pareciam sugerir que o povo que viveu, digamos, no século IX, descrevia seu próprio tempo como sendo de atraso e superstição. Afortunadamente, nos últimos anos, estes pontos de vista ficaram tão completamente desacreditados que até alguns dicionários e enciclopédias começaram a se referir à noção de ‘Era das Trevas’ como sendo um mito”.
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“No Brasil, a Idade Média ainda é citada por muitos néscios como um tempo de ignorância e barbárie, um tempo vazio, um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Império Romano para dominar o ‘povo’. [Segundo eles,] nesse movimento consciente e ideológico em direção às trevas, o clero teve como aliado principal a nobreza feudal. Juntos, nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e malévolos todo o ocidente medieval, que permaneceu assim envolto em uma escuridão de mil anos, soterrado, amedrontado e preso à terra num trabalho servil humilhante. Há quem ainda acredite piamente nesse amontoado de tolices”.
Os papas João Paulo II e Bento XVI também recordaram a governos e cidadãos que somos herdeiros de um legado primoroso da Idade Média:
“Nós somos ainda os herdeiros de longos séculos nos quais se formou na Europa uma civilização inspirada pelo cristianismo (…) Na Idade Média, com certa coesão do continente inteiro, a Europa constrói uma civilização luminosa da qual permanecem muitos testemunhos”.
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“A fé cristã, profundamente arraigada nos homens e nas mulheres destes séculos, não deu origem somente a obras-primas da literatura teológica, do pensamento e da fé. Ela inspirou também uma das criações artísticas mais elevadas da civilização universal: as catedrais, verdadeira glória da Idade Média cristã. Com efeito, durante cerca de três séculos, a partir do início do século XI, assistiu-se na Europa a um ardor artístico extraordinário. Vários fatores contribuíram para este renascimento da arquitetura religiosa. Em primeiro lugar, condições históricas mais favoráveis, como uma maior segurança política, acompanhada por um aumento constante da população e pelo progressivo desenvolvimento das cidades, dos intercâmbios e da riqueza. Porém, foi principalmente graças ao ardor e ao zelo espiritual do monaquismo em plena expansão que foram construídas igrejas abaciais, onde a liturgia podia ser celebrada com dignidade e solenidade, e os fiéis podiam deter-se em oração, atraídos pela veneração das relíquias dos santos, meta de peregrinações incessantes”.