Graças às modernas técnicas proporcionadas pela ciência, podemos reconstruir um semblante da pessoa que esteve envolvida pelo Santo Sudário?
A “fotografia” de uma crucificação
A tradição da Igreja e os resultados da pesquisa científica afirmam que, com altíssima probabilidade, o corpo cuja imagem foi impressa no tecido de Turim pertence a Jesus. De fato, o tecido mostra um homem adulto, de aproximadamente 40 anos, cerca de 1.80m, que mostra os sinais da flagelação e da crucificação, ao qual foi tributada uma sepultura honrosa.
A imagem que emerge do Santo Sudário é a de um cadáver martirizado, com a cabeça e a nuca feridas por um conjunto de objetos pontiagudos; os joelhos e o septo nasal escoriados e manchados de terra, como depois de uma queda; uma ampla ferida no lado, que foi aberta depois do falecimento; as munhecas e os pés atravessados por pregos; e as escápulas marcadas provavelmente por uma viga pesada.
A imagem que ficou estampada no tecido sindônico nos fala de um corpo que manifesta todos os sintomas do rigor mortis, a particular rigidez muscular que se dá após a morte: a cabeça está flexionada de forma forçada sobre o peito, sem que haja sinais de uma sustentação abaixo da nuca; e igualmente os membros superiores e inferiores têm uma posição nada natural. Em particular, a perfuração das munhecas e dos pés, a postura contraída do tórax e dos músculos das pernas, as escoriações deixadas por um grande suporte rígido sobre as costas mostram que o homem foi ajustiçado por meio da crucificação.
Antes de ser flagelado, ele foi desnudado e, de fato, sobre quase toda a superfície corporal, exceto no rosto, foram contadas 120 lesões paralelas, duas a duas, provocadas quase certamente por um chicote composto por um cabo ligado a duas tiras, ou longas tiras de coro que terminavam com dois pequenos pesos de chumbo. Neste caso, é preciso lembrar que ele recebeu 60 golpes.
A maior parte dos especialistas concorda em considerar que o homem do Sudário tinha 1.80m de altura. Os sinais de envelhecimento que se manifestam no seu rosto induzem a afirmar que ele tinha cerca de 40 anos. O septo nasal apresenta uma fratura e a parte direita do rosto está completamente intumescida. O sangue encontrado sobre o tecido, como demonstrou o cirurgião Pierluigi Baima Bollone, é humano, do grupo AB – o estatisticamente mais raro; na Europa, corresponde a 5% da população, enquanto entre os judeus a porcentagem é muito mais elevada – e contém uma grande quantidade de bilirrubina, algo típico em quem sofreu uma morte violenta. Na região do crânio, aparecem marcas de 20 feridas infligidas por objetos punçantes, iguais, dispostos na parte superior da cabeça, formando uma espécie de capacete.
As hemorragias dependem, em alguns casos, de feridas que o homem sofreu estando vivo, e de outras feitas após a sua morte. O exame de fluxo sanguíneo indica que o homem foi envolvido no tecido em um momento preciso – não mais que duas horas e meia depois de ter morrido. Na região das escápulas, as marcas aparecem aumentadas e ulceradas, como se ele tivesse transportado um grande objeto rígido – dado este que faz pensar no transporte do patibulum, a viga de madeira que pesava mais de 50kg e que era carregada pelo condenado até o lugar da execução; ela teria formado o braço horizontal da cruz e seria içada sobre um pau fincado na terra, chamado stipes.
Algumas anomalias – o transporte do patibulum, a utilização de pregos para as mãos e pés, a coroa de espinhos, o fato de que o corpo não tenha acabado em uma fossa comum –, além de tornar esta crucificação um caso muito particular, fazem pensar que se tratou de uma execução particularmente dura.
As lesões que aparecem são numericamente muito superiores às previsíveis em um condenado que deveria sofrer a execução capital. A flagelação mostra uma dura obstinação, um severo castigo. Segundo o costume romano, o número de chicotadas estava limitado pela proibição de matar o condenado, enquanto, entre os judeus, o número de chicotadas era limitado a 40, um número sagrado, como se lê em Deuteronômio 25, 3. Por isso, quando usavam o chicote com três extremos, os judeus só davam 39 chicotadas, para não expor-se ao perigo de ultrapassar este número limite.
Além disso, a imagem estampada no tecido demonstra que o corpo sofreu duas formas de violência não relacionadas com o costume romano: a presença das feridas puntiformes sobre o crânio e na nuca, além da ferida feita com uma arma punçante e afiada entre a quinta e a sexta costela.
Outra anomalia é que o ajustiçado não teve os ossos das pernas quebrados: o Deuteronômio proibia de deixar os cadáveres na cruz durante o pôr do sol, e a prática de fraturar as pernas (crurifragium) apressava a morte e permitia retirá-los antes do anoitecer.
A marca de sangue mais vistosa entre todas corresponde à verificada na parte direita do tórax, provocada por uma ampla ferida de fora a fora, possivelmente causada por uma lança. O sangue se apresenta dividido em seus dois componentes, isto é, a parte do soro e a parte corpuscular (glóbulos vermelhos): a divisão, chamada de “dessoração”, se produz somente depois da morte – por isso, a ferida que provocou a rasgadura do tórax foi realizada quando o homem já estava morto. A ferida foi feita antes de que o corpo chegasse ao rigor mortis, ou seja, antes de que começasse o processo natural de decomposição (depois de 36-48 horas).
Do tipo de tecido de linho e de como o cadáver foi tratado, podemos deduzir que o homem recebeu uma sepultura – apesar de ter sido muito honrosa – sem a purificação ritual prevista pela lei judaica.
Ao contrário do que previam os costumes funerários dos judeus, mencionados no Talmude, o cadáver separado da cruz, nu, sem ser lavado nem barbeado, foi depositado sobre um longo tecido. No entanto, o homem do Sudário, de acordo com a cultura judaica, foi sepultado em um linho branco, inclusive de grande valor. O Sudário havia sido tecido, de fato, com uma técnica chamada de “espinha de peixe”, utilizada certamente já antes da era cristã, mas da qual restam poucos exemplares, sobretudo em linho. O tecido apresenta a torção em Z, muito rara e complexa, na qual as fibras são obrigadas a retorcer-se no sentido contrário ao que tomariam espontaneamente secando-se ao sol.
O sudário pode ter sido produzido em ambiente judaico, pois, nas análises, não foram encontrados traços de fibras de origem animal, em observância à lei mosaica (Dt 22, 11), que prescrevia a separação entre a lã e o linho. Em último caso, parece que foram encontrados vestígios de algodão, identificadas como Gossypium herbaceum, difundido no Oriente Médio na época de Cristo. Este tipo de tecido deveria ser muito apreciado e ritualmente puro, pois com ele, segundo os costumes do judaísmo antigo, eram confeccionadas as cortinas do templo de Jerusalém, além de ser utilizado pelo Sumo Sacerdote – presidente do Sinédrio, que era o conselho supremo que governava comunidade judaica – para envolver-se após ter sido submergido 5 vezes no banho ritual obrigatório, no dia em que se celebrava o rito da Expiação (Yom Kippur), a festa mais sagrada. É raro, portanto, que o corpo de um condenado a um suplício infame, do qual eram isentos os cidadãos romanos – e que era reservado aos traidores, aos desertores e mais frequentemente aos escravos –, fosse envolvido em um sudário extremamente caro, para que fosse tirado pouco tempo depois, ao invés de ser jogado diretamente em uma fossa comum ou ser largado como alimento para as feras.
O lugar em que o homem do Sudário foi sepultado ou no qual o lenço esteve exposto durante mais tempo pode ser identificado por dois elementos: o pólen que ficou preso no tecido e que pertence a várias espécies vegetais existentes apenas no Oriente Médio (mais exatamente, concentradas em uma área que cerca a região de Jerusalém); e os restos de terreno encontrados, que contêm aragonite, um mineral não muito abundante, mas difundido nas imediações de Jerusalém.
As análises sobre o tecido sindônico permitiram comprovar a presença tanto de pólen europeu (em quantidade menor) como de pólen de plantas de vivem na região de Constantinopla, na estepe de Anatólia e nas ribeiras do Mar Morto. Estudando os diversos traslados da tela sindônica, comprováveis nos testemunhos cristãos mais antigos, os especialistas em botânica encontraram correspondências com o trajeto do Sudário, que parte de Jerusalém, passando depois pela Palestina, Edessa, Constantinopla, Lirey, Chambery, até chegar a Turim, em 1578.
O especialista Max Frei, após ter recolhido amostras de plantas durante a época de florescimento nas regiões geográficas nas quais a Síndone pode ter estado, identificou pólen de 58 plantas diferentes sobre o misterioso tecido, do qual nenhuma era uma espécie anemófila, ou seja, transportada pelo vento: algumas delas crescem unicamente em um território do mundo, que é a área que cerca Jerusalém. Posteriormente, Uri Baruch, examinando os preparados de Frei, confirmou a presença de Gundelia tournefortii – à qual pertencem 50% do pólen encontrado no Sudário –, de Zygophyllum dumosum e de Cistus creticus, plantas que vivem e florescem juntas. Depois, a identificação de outras 4 espécies, além daquelas três, levou o professor de botânica Avinoam Danin a afirmar que a sepultura talvez tenha acontecido entre os meses de março e abril.
Este indício – a presença de flores – dá a entender que este cadáver foi depositado com honras não permitidas em absoluto para os condenados à morte, que, segundo a norma, deveriam permanecer durante 12 meses no espaço infamante de um pequeno sepulcro público antes de que os seus restos fossem entregues aos seus parentes.
Além disso, em algumas amostras tomadas na região dos pés, havia restos de terra: o homem havia, portanto, caminhado descalço durante um tempo. As mesmas marcas foram encontradas em correspondência com a ponta do nariz e com o joelho esquerdo, que aparece visivelmente entumescido, como se o homem tivesse caído ao chão, machucando violentamente também o rosto, sem a possibilidade de se proteger com as mãos (talvez por estar impedido pelo patibulum). O especialista em cristalografia Joseph A. Kohlbeck e o físico Ricardo Levi-Setti observaram que estas amostras de terra contêm aragonite (um tipo de carbono cálcico), mineral raro, mas presenta na composição do terreno de Jerusalém.
Por meio da reconstrução da marca de duas moedas e de algumas inscrições encontradas sobre a tela do Santo Sudário, é possível formular a hipótese de que o homem foi sepultado entre os anos 29 e 30 d.C.
Depois de algumas análises levadas a cabo a partir de 1951, o Pe. Francis Filas afirmou ter identificado sobre a pálpebra direita do rosto sindônico marcas extremamente similares às existentes na cara de uma moeda, um dilepton lituus, que apresenta no verso o símbolo o “lituo” – ou seja, de uma espécie de cajado de pastor, presente em todas as moedas de Pilatos, cunhadas depois de 29 d.C. –, rodeado pela inscrição grega TIBEPIONƳ KAIƩAPOƩ: uma moeda que remonta, portanto, à época de Tibério.
Pierluigi Baima Bollone e Nello Balossino, por meio da elaboração da imagem bidimensional do arco superciliar esquerdo, mostraram, no entanto, a presença de sinais de remitiam provavelmente a um lepton simpulum, uma moeda de bronze que, além da reprodução no verso de uma copa ritual com a asa (simpulo), recolhe também a inscrição TIBEPIONƳ KAIƩAPOƩ LIS, que remonta ao ano XVI do imperador Tibério, que corresponde aos anos 29-30 d.C.
A presença de pequenas moedas, reflexo de um uso pagão que entrou no costume judaico, foi confirmada pelo achado de moedas nas cavidades orbitais de caveiras encontradas em Jericó, que remonta à época de Cristo, e em Boquet, no deserto de Judá, do início do século II d.C.
Conclusão
Ainda que a Igreja nunca tenha se pronunciado oficialmente e de forma definitiva sobre a identidade do homem representado no Sudário, ela incentiva a pesquisa científica sobre o tecido de Turim e todos os estudos realizados até agora convergem em uma resposta: o corpo misteriosamente estampado só pode ser, com uma probabilidade altíssima, o de Cristo, depois de ser tirado da cruz.
Tudo parece conduzir as investigações à Palestina do século I. Além disso, existe uma concordância substancial entre o relato dos evangelhos sobre a Paixão de Cristo e as informações extraídas do Sudário; tanto é assim, que algumas particularidades divergem da típica crucificação romana do século I.
– A cruel flagelação, exagerada, antes de uma crucificação (fala-se de 60 chicotadas). Jesus é flagelado no rosto e no corpo (Mt 27,26-30; Mc 15,15-19; Lc 23,16; Jo 19,1-3);
– A coroação de espinhos (não temos documentos que relatem um costume similar nas crucificações, nem entre os romanos, nem entre outros povos). Jesus foi revestido pelos soldados romanos com a coroa de espinhos e da capa púrpura para ser ridicularizado como rei dos judeus (Mt 27,29; Mc 15,17; Jo 19,2);
– O transporte do patibulum, o pau horizontal da cruz (nas crucificações, sobretudo nas massivas, costumavam preferir árvores ou cruzes ocasionais). Jesus transportou a sua própria cruz até o Gólgota (Mt 27,31-32; Mc 15,20-21; Lc 23,26; Jo 19,17).
– A suspensão na cruz com os pregos, ao invés das usuais cordas – uma particularidade que parece ser reservada a crucificações oficiais. No Evangelho de João, no episódio do apóstolo Tomé, diz-se que Jesus tinha os sinais da crucificação nas mãos, enquanto Lucas faz referência tanto às mãos quanto aos pés (Lc 24,39-40; Jo 20,25 e 20,27);
– A ausência de crurifragium, a fratura das pernas infligida para acelerar a morte. As pernas de Jesus não foram quebradas como as dos ladrões crucificados ao seu lado, porque ele morreu de forma insolitamente rápida, tanto que Pilatos se surpreendeu (Mc 15,44; Jo 19,32-33);
– A ferida no lado, feita depois da morte, um fato absolutamente raro. Jesus foi ferido com uma lança no lado, por um centurião, para confirmar que já estava morto. Da ferida saiu água misturada com sangue (Jo 19,34);
– A falta da unção, barba feita e vestes do cadáver, como era costume na época, e a sepultura precipitada. Jesus foi envolvido nu em um tecido e depositado em um sepulcro, logo depois de ser tirado da cruz, porque a noite se aproximava e era a vigília da Páscoa judaica, que coincidia, nesse ano, com o Shabbat, o dia de descanso da semana, no qual era proibido todo tipo de trabalho manual (Mt, 27,57-61; Mc, 15,42-47; Lc, 23,50-56; Jo 19,38-42);
– A envoltura do cadáver em um tecido precioso e a deposição em um túmulo próprio, ao invés de terminar em uma fossa comum. José de Arimateia, um rico membro do Sinédrio, obteve de Pilatos o corpo de Jesus, comprou o linho no qual ele foi envolvido e o sepultou num lugar que ele mesmo mandou escavar na rocha (Mt 27, 57-60; Mc 15, 42-46; Lc 23, 50-54; Jo 19, 38-41);
– O breve tempo de permanência no tecido. Jesus morreu tendo aproximadamente 37 anos, muito provavelmente na sexta-feira, 7 de abril do ano 30 d.C., por volta das 15h, depois de apenas 3 horas de agonia. Seu corpo permaneceu no túmulo desde as 18h, mais ou menos do mesmo dia, até as 6h do domingo, 9 de abril, quando Maria de Magdala, junto a outras mulheres, encontrou o sepulcro vazio (Mt 28,1-10; Mc 16,1-8; Lc 24,1-10; Jo 20,1-10).