Quem sou eu? Esta é uma velha questão que tem sempre intrigado muitos nósQuem você pensa que é?
A irmã me fez essa pergunta outro dia, contrapondo algo que eu tinha dito. Ela não estava sendo rude; estava realmente questionando se a ideia que tenho de mim mesma é precisa e espiritualmente saudável.
Irmã Augusta, que tem quase 100 anos de idade, foi visitada recentemente por várias das irmãs mais novas da província. À medida que entravam em seu quarto, ela estendia as mãos e exclamava:
“Que rostos bonitos! Esposas do Senhor e amigas da humanidade!”
Ela teve quase 100 anos para pensar sobre isso. E praticamente conseguiu resumir a vida religiosa em uma frase.
Quem sou eu?
Esta questão tem voltado à minha cabeça desde que entrei no convento. Eu desisti de uma carreira, da minha conta bancária, do meu guarda-roupas, das minhas previsões e, o mais difícil, das rédeas.
Eu entrei em uma vida que de certa forma me define, antes mesmo que eu tenha a chance de me definir. Quando encontro pessoas, eles veem uma mística da vida religiosa antes de me ver. Às vezes, muitas vezes, depois de falar com as pessoas, afasto-me perguntando se elas estavam realmente falando comigo ou com alguém que pensam que sou.
Claro que isso acontece com todo mundo. Quando encontramos pessoas pela primeira vez, nós as avaliamos, examinamos suas roupas, ações e palavras, e passamos a interagir com elas com base em premissas que traçamos.
O lance de ser uma freira em um hábito é que adiciona uma infinidade de hipóteses a esse processo. Estes pressupostos às vezes cegam tanto que as pessoas esquecem que estão falando com alguém que não esteve sempre em uma batina, mas alguém que também tem pensamentos individuais, preocupações e características próprias.
Isso é, em certo sentido, como estou destinada a ser. A vida religiosa faz-nos “amigos da humanidade”, e você não pode ser um amigo da humanidade a menos que se doe aos outros, derrame-se para fora e, em certo sentido, perca a sua identidade.
No entanto, ao mesmo tempo, minhas irmãs são bastante originais. Alguns poderiam dizer excêntricas. Qualquer um que é amigo de uma pessoa religiosa irá dizer-lhe que ele ou ela muitas vezes é bastante interessante. Minha família tem convivido por muitos anos com um monge que atua externamente para uma comunidade beneditina. Mesmo quando era ateia, eu achava admirável, porque ele fazia comentários totalmente incomuns e sinceros para as pessoas. Ele era um amigo da humanidade, que não cedeu às falsas formalidades.
Suponho que é como deva ser um religioso. Nós somos amigos da humanidade, mas não nos destinamos a ser definidos pela humanidade – ou por nós mesmos. Nós não fomos feitos por nós mesmos. Nós estamos destinados a encontrar nossa identidade unicamente em Deus, e nós somos capazes de fazer isso da forma mais livre, precisamente porque não temos o controle total sobre os muitos aspectos da vida que acabam por definir as outras pessoas: carreira, futuro, dinheiro, roupas, sonhos.
Você pode estar lendo isso e pensando: então o que isso tem a ver comigo?
Certamente tem a ver com você. Sei que não é obrigatório fazer voto de pobreza, castidade e obediência para crescer no desapego das coisas deste mundo, aquelas que ameaçam nos definir, as coisas que muitas vezes trabalham em oposição ao que estamos realmente concebidos para ser.
Nós todos somos destinados a encontrar a nossa identidade em Deus. E, francamente, esse é um processo de uma vida – tanto para os religiosos quanto para todo mundo.
Muito obrigada, Irmã Augusta, pelo questionamento.
Fomos concebidos para a união com Deus e a doação aos outros, isso por meio da vocação a que Deus nos chama.
Nós somos:
Esposas do Senhor e amigas da humanidade!