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O horóscopo, o santo e o cientista

HOROSCOPE HOROSCOPO
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Vanderlei de Lima - publicado em 20/02/22
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A astrologia e o horóscopo são práticas nascidas num tempo pré-científico no qual a imaginação fantasiosa e a mera crendice falavam mais alto

Há, ainda em nossos dias, quem acredite firmemente no horóscopo (do grego hora – hora e skopéo – observar). Sua base é a seguinte: se observarmos a posição de certos astros no momento em que a pessoa nasceu, é possível dizer algo sobre sua vida, comportamento etc. Este artigo demonstra que tal análise não tem fundamento sério.

Demos, logo de início, a palavra a Marcelo Gleiser, professor de Física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), que diz: “Santo Agostinho, no século 4º, condenou firmemente a astrologia, pois ela interferia no livre-arbítrio e na onipotência divina: se tudo está já escrito nas estrelas, nós não podemos optar pelo bem ou pelo mal e a fé em Deus se torna irrelevante” (Profissão: astrólogo? Folha de S. Paulo, 28/07/2002, online). 

Realmente, Santo Agostinho († 430), grande gênio da Idade antiga, ao notar o nascimento do filho de um senhor rico, que recebeu o nome Firmino, e o de uma escrava, conservado no anonimato, no mesmo dia e hora – portanto com o mesmo destino traçado pelos astros – desmentiu o horóscopo com a seguinte constatação: “Firmino nascera entre os seus, numa casa suntuosa, e seguia pelos caminhos mais resplandecentes do século. Era cumulado de riquezas e enaltecido de honras, enquanto o servo, de nenhuma maneira aliviado do jugo da sua condição, continuava servindo seus amos, conforme relatava ele próprio, que o conhecia. E assim, tendo eu ouvido e acreditado nestas coisas, atendendo a quem as narrava, toda aquela minha relutância [em abandonar a astrologia] caiu desfeita”. Agostinho deixou de ser astrólogo para, depois, se tornar católico!

Divina Providência

Prossegue o Santo: “Daí, tomando isto como um começo, e ruminando comigo mesmo estas coisas, fixei a minha reflexão naqueles que nascem gêmeos”. Ora, os astrólogos “observando os mesmos mapas [astrais], deveria dizer as mesmas coisas acerca de Esaú e Jacó; mas não sucederam as mesmas coisas a ambos. Logo, o astrólogo teria dito mentiras”. Conclui, portanto, o santo ser muito mais razoável crer na Divina Providência do que na força cega do destino. Com isso, ele repreende as pessoas que buscam os astrólogos e os próprios astrólogos que as atende: “Tu, Senhor, justíssimo moderador do universo, ages por desígnio secreto, sem o conhecerem os que consultam e os que são consultados” (Confissões, VII, VI, 8-10).

Voltando ao astrofísico Marcelo Gleiser, lemos: “O ingrediente fundamental que estava faltando nos modelos de Ptolomeu e outros era a física, que descreve as relações causais que regem os movimentos celestes. Quando Galileu, Kepler e Newton desenvolveram as bases da ciência moderna, descrevendo os movimentos celestes como sendo consequência da força da gravidade, a astrologia começou a se divorciar da astronomia: em um Universo regido por forças causais entre objetos materiais, não havia espaço para relações sobrenaturais entre corpos celestes e pessoas que violassem o conceito mais fundamental da física, a causalidade. Ou seja, é impossível, segundo tudo o que conhecemos hoje sobre o Universo e as suas propriedades físicas, obter informações sobre eventos futuros na vida de uma pessoa lendo os céus. Mais ainda, não existe nenhuma evidência quantitativa de que planetas e estrelas possam influenciar o comportamento de pessoas aqui na Terra. A astrologia não é uma ciência, é uma crença” (Folha de S. Paulo, 28/07/2002, online). Ainda: ser contra a astrologia “não significa que cientistas sejam bitolados ou fechados para novas ideias. Muito pelo contrário: nós dedicamos a vida ao desconhecido. Mas, em ciência, o processo de validação empírica é fundamental” (idem).

Como se vê, as palavra do santo e as do cientista nos levam a concluir que a astrologia e, por conseguinte, o horóscopo são práticas nascidas num tempo pré-científico no qual a imaginação fantasiosa e a mera crendice falavam mais alto do que a ciência de observação, a lógica e a reta fé.

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