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A vida é um caminho pascal

Jezus Chrystus wśród aniołów w niebie

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Don Emanuele Bargellini - publicado em 07/05/23
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Entenda por que a experiência cristã é um itinerário junto com Cristo morto e ressuscitado

A páscoa é ponto de chegada de um longo caminho de preparação e de espera, e início de um itinerário no seguimento de Cristo que durará a vida inteira, de conversão em conversão a Ele. “Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Esta vida na carne vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a se mesmo por mim” (Gl 2, 19-20).

Ó Deus, por vosso filho unigênito vencedor da morte, abristes hoje para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova. (Oração do dia de Páscoa)

A vida do batizado em Cristo é um processo de morte e ressurreição que tem no próprio ressuscitado e na celebração memorial do evento pascal seu início e nascente, no inesgotável dinamismo de uma existência sempre nova, à medida em que se abre à ação do Espírito. 

O itinerário da pessoa em caminho evoca um movimento espiritual para frente que se realiza somente enquanto somos impulsionados pelo Espírito Santo: Todos os que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus (Rm 8,14-17), isto é, passaram da escravidão à liberdade de filhos/as; do agir por obrigação e medo ao agir por amor.

Todos os aspectos da vida de quem se deixa guiar pelo Espírito, constituem a vida espiritual: trabalho, descanso, atividade profissional, vida familiar, atividade econômica e política, dores e alegrias, etc., se vivenciados sob a ação e os critérios do Espírito e do Evangelho. Assim, todas as nossas atividades formam a nossa vida espiritual, não apenas a oração, a liturgia, etc...

Tu que seguis ao Cristo e és seu imitador, se permaneceres na palavra de Deus, se meditares na sua lei dia e noite, se te exercitares nos seus mandamentos, então estarás sempre no santuário e dele não sairás jamais. Pois deves buscar o santuário não num lugar, mas nas ações, na vida e nos costumes. Se estes são segundo Deus e correspondem a seu preceito, mesmo quando tu estiveres em casa, mesmo nas ruas da cidade, mesmo se te encontres no teatro, se permaneceres servindo ao Verbo de Deus, não tenha dúvida: tu estás habitando no santuário (Orígenes, Hom. 12,4; sobre o Levítico; SC 287, pg 182).

Papa Francisco nos oferece uma atualização ampla e orgânica da vida espiritual, que abrange todos os aspectos da existência do cristão e constitui uma vocação à santidade comum a todo filho e filha de Deus, na encíclica “Gaudete et exultate” – Sobre o chamado à santidade no mundo atual - (Cf nn. 14-18; Cittá del Vaticano e Paulus 2018.)

Esta unidade interior e harmônica da existência promovida pelo Espírito, às vezes é mais um “início e uma potencialidade” que uma experiência plena. Ela continua sendo objeto de esperança a ser procurada com paciente perseverança. Ela é um caminho com etapas e passagens sucessivas, que precisa de repetidas “páscoas”, aceitando morrer com Cristo a tudo o que nos impede de progredir no conformar-se a Ele, morrer ao “homem velho”, para crescer na livre obediência ao seu Espírito (cf Rm 8,18-25: com a criação sofremos os gemidos do parto....na perseverança). 

A experiência espiritual é experiência de vida que se identifica progressivamente com a vida de Jesus

Pelo batismo nos foi doada a sua mesma vida de filho, de liberdade e de amor. Usando a linguagem simbólica de Paulo, nós fomos “enxertados” em Cristo, que é a “oliveira santa”, recebendo sua mesma seiva vital, (cf Rm 11, 17 -24); fomos “transplantados” nele, como órgãos vivos do seu próprio corpo (cf I Cor 12, 12-13). Ser cristãos não é simplesmente seguir os ensinamentos de Jesus, sua doutrina, mas partilhar, por graça, da sua própria vida divina, viver uma constante relação vital com ele! A experiência da páscoa de Jesus com o batismo funda uma “ética da relação” pessoal com Ele, não simplesmente uma “ética dos deveres”. Os comportamentos nascem da relação pessoal. 

Certo, é um inicio, uma potencialidade, uma “semente divina”. Temos toda a responsabilidade para que o nosso solo ofereça condições favoráveis para o crescimento da semente. O divino semeador é generoso para com todos, mas a sorte da semente depende muito das condições que o terreno apresenta (cf Mt 13, 18-23). O mistério do pecado está presente em nós, junto com o mistério da graça, do perdão e da conversão. 

Deixar transformar o “homem velho” no “homem novo”, a “carne” em “Espírito” é um processo longo e complexo. Paulo fala abertamente de um “conflito interior” que nos acompanha, às vezes em maneira dramática. Os pais do monaquismo falam de uma “luta espiritual” que solicita sempre “o soldado de Cristo”. (cf Ef 6, 10-17) a vigiar para reconhecer as insídias do inimigo e procurar no Senhor a força e o abrigo (cf Vida de São Romualdo c. 7;16;17; 61). Saber reconhecer as modalidades insidiosas com que o inimigo nos prepara os laços das tentações, faz parte importante do processo de discernimento (cf Papa Francisco, Homilia do dia 11/4/14: a táctica do inimigo se desenvolve por etapas e sucessivas tentativas: suave no início – contagiosa com os outros – auto- justificativa).

Um caminho que conhece provações e crises e exige discernimento espiritual 

Mortos ao pecado com Cristo e renascidos à vida no Espírito, estamos já com um pé nos céus (cf Ef 2, 6), capacitados a viver na terra como “ressuscitados em Cristo” (Cf Cl 3, 1-3). Este caminho conhece ainda, como seu elemento constitutivo e inevitável, limites e passagens através de provas e crises. Vivemos o dom do reino de Deus na dinâmica da história, pessoal e comunitária. 

Limites, provas e crises, não impedem o caminho. Na misteriosa pedagogia de Deus têm uma função positiva: descobrimos nossa fragilidade. “Quando sou fraco, então sou forte!” (2 Cor 12,10). E nos abrem à ação gratuita de Deus: Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou-nos seu filho como vitima de expiação pelos nossos pecados (I Jo. 4, 10). 

Tomamos consciência que o primeiro protagonista e garante da nossa vida espiritual, não somos nós, mas o Senhor. A experiência do limite e do pecado, na perspectiva cristã, não gera sentido de culpa, que oprime, mas a humildade que confia na misericórdia e abre ao perdão do Pai “que não se cansa jamais de perdoar” (Papa Francisco).

Identificar os espinhos que podem sufocar a semente divina em nós, ou as pedras que a podem deixar secar, e adotar as providências para limpar o terreno do coração é prioridade absoluta na vida espiritual. Esta cura cuidadosa do terreno do coração coincide com o processo de discernimento espiritual. Trata-se de olhar e examinar cuidadosamente as atitudes profundas e os pensamentos que ocupam e preocupam nosso coração: eles determinam nossa maneira de ver a vida e as coisas e de fazer nossas escolhas concretas de cada dia, embora as vezes nem percebamos. 

Precisamos da sabedoria do Espírito que é:

a graça de poder ver cada coisa com os olhos de Deus. É simplesmente isso: é ver o mundo, ver as situações, as conjunturas, os problemas, tudo, com os olhos de Deus. Isto deriva da intimidade com Deus, da relação íntima que nós temos com Deus, da relação de filhos com o Pai. E o Espírito Santo, quando nós temos esta relação, nos dá o dom da sabedoria. Quando estamos em comunhão com o Senhor, é como se o Espírito Santo transfigurasse o nosso coração (Papa Francisco, Homilia do dia 9/04/2014)

O “discernimento no Espírito” constitui o eixo central no caminho espiritual. Por isso os padres da igreja, e sobre tudo os pais da vida monástica, deram tanta importância a ele. Cassiano (um monge muito importante do século V, uma verdadeira ponte da espiritualidade entre o Oriente e o Ocidente), destaca com vigor que o monge, ao procurar unificar a sua vida em Cristo, precisa exercitar com muita atenção o discernimento espiritual, a discrição. Ele oferece muitas sugestões teóricas e práticas, dedicando ao assunto a primeira das suas chamadas Conferencias, uma espécie de entrevistas com os monges que viviam no deserto no Egito.

Para Cassiano, o fim e a meta da vida do monge são a sua progressiva identificação com o reino de Deus, a vida no Espírito. Mas a condição para chegar a esta meta é a pureza do coração, que coincide com a caridade, com o amor. Para sustentar este processo de purificação do coração e libertar a caridade em todas as suas potencialidades, é de ajuda a ascese do corpo e a simplificação da mente que são condições para colocar o Senhor ao centro da própria vida. Discernir é seguir o que vem do Espírito e deixar cair o que vem do espírito do maligno e do “homem velho”, como diz Paulo.   

Para exercitar com sabedoria o justo discernimento, é importante viver em comunhão com a igreja, que é comunidade de fé, onde cada um recebe ajuda e luz e as partilha. Outro elemento de grande importância destacado pelos pais monásticos é a humilde abertura do coração ao pai espiritual, para um conveniente acompanhamento pessoal, a fim de ser ajudado a discernir o que favorece o crescimento da semente divina e o que a impede, bem como para curar nossas feridas

Encontrar um pai espiritual é uma graça, pois a paternidade espiritual é um dom do Espírito, não um titulo institucional, e ninguém pode autonomear-se pai espiritual. Hoje, é ainda mais difícil pela situação de transição radical que estamos vivendo na igreja e na sociedade. Os pais do monaquismo sempre estiveram conscientes disso, e não paravam de sugerir para rezar para encontrar esta graça. Mas é necessário discernimento, também na escolha da pessoa a quem abrir-se e entregar-se. 

Cassiano põe na boca do experiente abade Moisés esta cortante afirmação: 

Não devemos seguir os passos ou acolher a doutrina e os conselhos de todos os anciãos, só porque têm a cabeça branca e a vida longeva, mas, apenas daqueles que soubermos que, em sua juventude, levaram uma vida digna de estima e reconhecimento e se formaram na tradição dos antigos e não em suas próprias ideias orgulhosas (Conferência 2; n.13; Vol. 1, pg. 65; Editora Subiaco, Juiz de Fora)

Este assunto é tão determinante no caminho espiritual que Cassiano dedicará a ele a inteira Conferencia 2, que tem o titulo “Da discrição”. 

Na tradição monástica a atenção às experiências e ao ensinamento dos pais do monaquismo se torna fundamental, não para atar as pessoas à repetição do passado, como pretende um certo tradicionalismo superficial, mas para facilitar o discernimento sobre os passos que cada geração e cada pessoa é chamada a fazer, para progredir com o movimento da história, guiada pelo Senhor.

Na época atual, o psicólogo parece ter ocupado, muitas vezes em maneira totalizante, o lugar da pessoa que, não simplesmente por conhecer os dinamismos da psique humana, mas por viver uma vida iluminada pelo Espírito, pode ajudar quem procura trilhar o mesmo caminho. Valorizar o aporte das ciências humanas e psicológicas é uma preciosa oportunidade que, por sua vez, precisa ser integrada com o discernimento que tem presente a misteriosa ação do Espírito na pessoa e nas comunidades. 

Um caminho que nos conduz à inefável experiência da “divinização”

Se o caminho espiritual é marcado por provações e tentações, sua meta é exaltante, e vai além de toda expectativa humana. É fruto de pura graça: é a “divinização” da pessoa humana, como exprimem os pais do monaquismo do Oriente, a partilha sempre mais profunda da própria vida de Deus! Uma ousadia que o próprio Senhor fundamentou com sua “condescendência” e seu “rebaixamento”. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia (Jo 10,10)

Oh surpreendente intercambio! Deus se fez homem a fim de que o homem se torne Deus (Antífona de Natal).

O contato profundo e continuativo com o Senhor, na própria interioridade, é exigência fundamental para alimentar a vida espiritual e, ao mesmo tempo, constitui seu fruto mais amável. A primeira modalidade para sustentar este contato é a escuta/leitura da sua Palavra, feita com espírito de fé e oração. Uma leitura orante, que não empenha somente o intelecto, mas sobretudo o coração, a raiz da nossa vida: uma relação de pessoa a pessoa. Este contato pessoal, feito pelo impulso do Espírito, nos faz descobrir o sentido vital e atual da Palavra para nós, para mim, hoje. Quando e na medida que isto acontece, muda a vida. É o verdadeiro “acontecimento” da Palavra, e seu cumprimento.

O diálogo vital em nossa interioridade precisa de um clima de recolhimento e de concentração para libertar nosso espaço interior, um espaço tranquilo e silencioso: silêncio de palavras e ruídos exteriores, e sobretudo silêncio em relação as tantas preocupações, distrações, desejos, ansiedades. Precisamos exercer na interioridade da mente e do coração o jejum e a sobriedade.

É conveniente escolher algum tempo favorável, dentro do ritmo do próprio dia, para criar e cultivar este silêncio e diálogo interior, e procurar ser fiel. A organização da Liturgia das Horas, que valoriza o ritmo do tempo natural e das atividades humanas, é um símbolo desta atenção ao diálogo interior, inserido no ritmo da vida cotidiana. Com o tempo, esta autodisciplina ajuda a desenvolver o sentido da presença do Senhor, que orienta a vida, e acaba tornando-se quase sua respiração natural!

Ao final das contas, não é este o desejo mais profundo do nosso coração e a promessa do Senhor? 

Santo Agostinho interpreta muito bem este anseio profundo do coração e a admirável resposta do Senhor: 

Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que tu estavas dentro de mim, e eu me mantinha do lado de fora e, deformado como era, lançava-me sobre estas coisas belas que tu criaste. Chamaste-me, gritaste e venceste a minha surdez. Fulguraste teu esplendor e puseste em fuga minha cegueira; exalaste teu perfume, aspirei-o, e agora anseio por ti, degustei-te, e agora tenho fome e sede. Tocaste-me, e agora ardo de desejo por tua paz (Confissões, liv. X, c. 27).

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