A Idade Média, que vai do século V ao XV, é frequentemente chamada de “Idade das Trevas” – um termo bastante depreciativo.
Este rótulo surgiu durante o Renascimento e foi amplamente influenciado por autores, artistas e pensadores que queriam destacar as diferenças entre os séculos anteriores e a nova época deles próprios – que eles entendiam como um renascimento da cultura clássica grega e romana. Entretanto, é importante notar que reduzir dez séculos de história a meras “trevas” é uma avaliação subjetiva, fortemente influenciada por preconceitos e vieses, e falha em apreciar a complexidade e a diversidade da sociedade medieval, especialmente porque um tempo tão longo não pode ser simplesmente agrupados numa categoria única.
Petrarca, o notável estudioso e poeta italiano do século XIV, desempenhou um papel significativo na formação dessa percepção negativa da Idade Média – se esta era ou não a intenção dele, já é uma questão diferente. Conforme lemos em Medievalists.net, falar de um "tempo de trevas" ou de uma "época das luzes" é uma "metáfora fácil para afirmar que se está vivendo em tempos bons ou ruins". Petrarca usou essa metáfora para comparar a Antiguidade Clássica e Tardia com a sua própria época "e descobriu que não estava muito feliz com a situação corrente". Em uma de suas obras ele escreveu:
Meu destino é viver entre variadas e confusas tempestades. Mas para ti, quiçá, se, como espero e desejo, viveres muito depois de mim, seguir-se-á uma era melhor. Este sono de esquecimento não durará para sempre. Quando as trevas se dissiparem, nossos descendentes poderão voltar ao puro esplendor de outrora.
Nitidamente, a interpretação que Petrarca fazia da própria época sofria profunda influência da sua admiração pelas realizações da Grécia e da Roma antigas; assim, ele via no seu tempo uma era de declínio e ignorância, desfavoravelmente comparada com as realizações intelectuais do mundo clássico.
É essencial, no entanto, reconhecer que esse retrato um tanto negativo da Idade Média era em grande parte um exagero. Os pensadores renascentistas tendiam a idealizar o passado antigo, vendo-o como uma era dourada de sabedoria e refinamento cultural, o que não era necessariamente o caso. Em contraste, também viam na Idade Média um período de estagnação intelectual, dogmatismo religioso e atraso social, fechando os olhos para o fato (evidente) de que o Renascimento não surgiu do nada.
O viés contra a Idade Média pode ser atribuído a vários fatores. Por exemplo, os pensadores do Renascimento tiveram acesso limitado às fontes literárias e históricas da Idade Média, o que contribuiu para a falta de compreensão e valorização das realizações daqueles dez séculos. Além disso, o Renascimento foi marcado por um desejo de se distanciar da época anterior, e o descrédito da Idade Média serviu para enfatizar a suposta superioridade cultural e intelectual do final do século XV e do século XVI. Mas, principalmente, os conflitos religiosos e as tensões entre a Igreja Católica e os movimentos protestantes emergentes durante o Renascimento alimentaram as críticas à Idade Média.
Por uma questão de precisão histórica, é importante desafiar essa narrativa tendenciosa sobre a Idade Média. Embora seja verdade que a época teve a sua parcela de tribulações, também é verdade que foi uma época de grandes conquistas intelectuais, artísticas e culturais. A Idade Média testemunhou o surgimento de universidades, a preservação e transmissão de textos clássicos, avanços na arquitetura e engenharia e o florescimento da arte gótica. Aliás, se não fosse pelo trabalho meticuloso dos escritores e copistas medievais, os estudiosos do Renascimento dificilmente teriam conhecido os pensadores romanos ou gregos.