No último artigo, observamos como os três documentos publicados recentemente pelo Papa Francisco, a Carta Apostólica Sublimitas et miseria hominis, dedicada a Blaise Pascal (19 de junho de 2023), a Exortação Apostólica Laudate Deum, sobre a crise climática (4 de outubro de 2023) e a Exortação Apostólica C’est la confiance, por ocasião do 150° aniversário do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (15 de outubro de 2023), apresentam aspectos em comum que nos ajudam a compreender a mensagem global do papa.
Após termos nos dedicado ao tema da pobreza, vejamos aqui outros dois temas transversais nesses documentos: o fascínio e o amor.
Um homem dominado pelo fascínio
Em todos os três documentos está presente, com muita clareza, o fascínio diante da realidade. Para o homem que se descobre amado por Deus, o mundo se torna um grande sinal deste amor de Deus por nós. Tudo se torna fascinante, sejam os instáveis equilíbrios ecológicos do planeta, seja as ciências e o conhecimento filosófico, seja a própria interioridade de coração voltado para Deus, tudo se mostra fascinante. Tudo é sinal de beleza e em tudo transparece o rosto bom do Mistério e Seu amor por nós.
Assim, escreve em Sublimitas et miseria hominis (SMH): “Grandeza e miséria do homem é o paradoxo que está no centro da reflexão e mensagem de Blaise Pascal [..., que] mostrou-se um incansável investigador do verdadeiro: como tal, permanece sempre ‘inquieto’, atraído por novos e mais amplos horizontes. Na verdade, uma razão assim arguta e, ao mesmo tempo, tão aberta nunca silenciava nele a questão, antiga e sempre nova, que ressoa no ânimo humano: ‘Que é o homem para Te lembrares dele, o filho do homem para com ele Te preocupares?’ (Sal 8, 5) {...] Na base disto, parece-me poder reconhecer nele uma atitude de fundo, que definiria ‘abertura estupefata à realidade’, que é abertura às outras dimensões do saber e da existência, abertura aos outros, abertura à sociedade”. Bergoglio, o homem fascinado pelas maravilhas do amor de Deus, encontra em Pascal esse mesmo “estupor” – e apresenta-o a todos nós.
Na Laudate Deum (LD), lemos: “O conjunto do universo, com as suas múltiplas relações, mostra melhor a riqueza inesgotável de Deus [...] as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa. O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente. E, portanto, há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre” (LD 63-65).
E, em C’est la confiance (CC), Francisco explica que sua exortação sobre Santa Teresinha permite-lhe recordar que “numa Igreja missionária, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa. O núcleo luminoso é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado” (CC 47). A beleza e o fascínio não são um simples deleite estético, mas uma reação natural do coração, que nos permite identificar a Verdade, aquilo que é essencial.
O fascínio nasce do saber-se amado
O amor é a luz que permite ver toda essa beleza. Tudo é fruto do amor, tudo está impregnado de um amor cheio de misericórdia por nós. Por isso, em todo lugar o coração do Papa se enternece e vê os sinais da ternura de Deus por nós. Não é possível entender a espiritualidade do Papa Francisco sem entender esse vínculo entre o amor misericordioso, que se manifesta como ternura, e o fascínio.
Assim, Francisco, na Sublimitas et miseria hominis, considera “comovente constatar que, nos últimos dias da sua vida, um pensador tão genial como Blaise Pascal não via urgência mais sublime para investir as suas energias do que as obras de misericórdia: O único objeto da Escritura é a caridade”. E sugere “a quantos querem continuar a buscar a verdade [...] que se coloquem à escuta de Blaise Pascal, um homem de inteligência prodigiosa que quis recordar que, fora da perspectiva do amor, não há verdade que valha a pena: Faz-se um ídolo até da própria verdade, pois a verdade fora da caridade não é Deus, é sua imagem e um ídolo que não se deve amar nem adorar”.
Logo no início da Laudate Deum, Francisco observa “Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! Pois Eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles (Mt 6, 28-29). Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus (Lc 12, 6). Como deixar de admirar esta ternura de Jesus por todos os seres que nos acompanham no nosso caminho?” (LD 1). E, adiante: “O mundo canta um Amor infinito; como não cuidar dele? [...] nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (LD 65-67).
A confiança no amor misericordioso é o próprio tema de C’est la confiance. “Juntamente com a fé, Teresa vive intensamente uma confiança ilimitada na misericórdia infinita de Deus, ‘a confiança [que] tem de conduzir-nos ao Amor’. Vive, mesmo na escuridão, a confiança total da criança que se abandona sem medo nos braços do pai e da mãe. De fato, para Teresinha, Deus resplandece antes de mais nada através da sua misericórdia, chave de compreensão para qualquer outra coisa que se diga d’Ele” (CC 27).