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A Igreja adulterou os Dez Mandamentos bíblicos?

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Vanderlei de Lima - publicado em 26/11/23
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Há quem afirme, por ignorância ou má-fé (só Deus pode julgar!), que a Igreja adulterou os Dez Mandamentos bíblicos. O presente artigo esclarece o assunto

De início, recordemos que os Dez Mandamentos da Lei de Deus se encontram em dois diferentes livros bíblicos: Êxodo 20,1-17 e Deuteronômio 5,6-21. São basicamente iguais em sua formulação, exceto na comparação Ex 20,17 e Dt 5,21. Na passagem do Êxodo, a cobiça da casa vem antes do desejo da mulher do próximo; em Deuteronômio, a mulher vem primeiro do que a casa. 

Como quer que seja, temos aí as muito valorizadas dez palavras (cf. Os 4,2; Jr 7,9; Ez 18,5-9). Daí se dizer Decálogo (cf. Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4), que o próprio Deus, à diferença de outros preceitos anotados por Moisés, escreveu com o seu próprio dedo (cf. Ex 31,18; Dt 5,22). Portanto, judeus e cristãos concordam serem dez, não mais nem menos, os Mandamentos da Lei de Deus que devemos seguir. Eles têm, ao longo da história, três grandes sistematizações. Vejamos!

Os primeiros sistematizadores foram Filon de Alexandria († 40) e Flávio José († 100), ambos de cultura greco-cristã. De acordo com eles, o primeiro mandamento preceitua o culto ao Deus único ou o monoteísmo (cf. Ex 20,2-3), o segundo proíbe a idolatria (cf. Ex 20,4-6), o terceiro manda honrar o nome do Senhor (cf. Ex 20,7), o quarto preceitua observar o Dia do Senhor (cf. Ex 20,8-11). Já os seis restantes tratam da relação do ser humano com o seu próximo. Assim, o nono mandamento proíbe a mentira (cf. Ex 20,6) e o décimo a cobiça dos bens e da mulher do semelhante (cf. Ex 20,17). Esta divisão foi aceita por vários santos e escritores dos primeiros tempos do Cristianismo. A partir do século XVI, luteranos, calvinistas e anglicanos também a adotaram.

A segunda divisão, que parece predominar no Judaísmo até hoje, se deve a tradições rabínicas. Rejeita a disposição dos Mandamentos feita por Filon de Alexandria e Flávio José e, em seu lugar, propõe a seguinte divisão: o primeiro mandamento manda prestar culto ao Deus verdadeiro (cf. Ex 20,2), o segundo proíbe o culto aos ídolos ou aos falsos deuses (cf. Ex 20,3-6), o terceiro ordena honrar o nome de Deus (cf. Ex 20,7) e o décimo proíbe cobiçar os bens e a mulher do próximo. Os demais, do quarto ao nono mandamentos, tratam da relação fraterna entre os homens.

A terceira grande distribuição dos Mandamentos se deve a Santo Agostinho de Hipona († 430), um dos maiores gênios do Cristianismo (cf. Quaestiones in Exodum LXXI, Ed. Migne, 34, 620 e seguintes). O santo assim entende o Decálogo: prestar culto ao Deus verdadeiro (algo positivo e santo) e não adorar os falsos deuses ou os ídolos (aspecto negativo e pecaminoso) se devem a um só mandamento (cf. Ex 20,2-6). Quanto a Ex 20,17, o Bispo de Hipona o divide em dois mandamentos, pois entende que a repetição da fórmula “Não cobiçarás” refreia duas paixões humanas: a sexual a levar a desejar a mulher do próximo e a da posse ilícita a arrastar para o desejo cobiçoso dos bens alheios. Tal divisão dos mandamentos é a que prevalece entre os católicos! Ela já tinha, conforme anota Dom Estêvão Bettencourt, OSB, sido, a seu modo, proposta por Teófilo de Antioquia, no século II, e, por isso, se difundiu, de um modo muito especial, na Idade Média (cf. Curso de Diálogo Ecumênico. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1988, p. 113).

Por fim, três pontos vêm, ainda, ao caso: 1º) A Igreja Católica, como se vê, não alterou o Decálogo, pois a sua formulação exata – judaica ou cristã – é obra humana, não divina. No entanto, dentre as três distribuições citadas, a devida a Santo Agostinho goza para nós católicos da chancela do Magistério da Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 2065-2066). 2º) O fato de o nono e o décimo mandamentos estarem em um só versículo – o 17 do capítulo 20 do Êxodo – nada diz, pois, na época das classificações, o Antigo Testamento não estava dividido, como hoje, em capítulos e versículos. Esta divisão só se deu no século XVI. 3º) O cristão cumpre os Mandamentos porque são divinos. Se a norma A ou B está no primeiro, no quinto ou no nono mandamentos pouco importam. Vale, na prática, a grande unidade do Decálogo (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 2069).

Dito tudo isto, rezemos: Senhor, ajudai-nos a viver os vossos mandamentos!

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